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São Paulo, SP, Brazil
O autor é médico (Faculdade de Medicina da USP, FMUSP), especializado em Psiquiatria (H. das Clínicas da FMUSP), doutor em Filosofia (EHESS, Paris) com pós-doutorado em Ciências Cognitivas (PUC-SP). Clinica em consultório particular desde 1993.

terça-feira, 30 de abril de 2019

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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Uso correto — ético, como medicamento — dos antidepressivos.








Antidepressivos podem salvar suicidas ou aumentar seu risco.

Vimos nos posts anteriores como os antidepressivos e outros medicamentos inserem-se no capitalismo dos dias de hoje, enquanto produtos a serem marketados a médicos e pacientes. Este último post da série “antidepressivos” é dedicado ao uso que o médico ideal faz dos antidepressivos, enquanto medicamentos integrando um tratamento abrangente. É um uso que se quer ético e correto, ou seja, no máximo benefício do paciente.
Os antidepressivos — associados ou não a outros fármacos psicotrópicos — devem ser prescritos por psiquiatras ou médicos generalistas com experiência, desde que se chegue ao diagnóstico de um transtorno ansioso-depressivo, para os quais os antidepressivos são indicados, frequentemente como base do tratamento. Já outros especialistas utilizam antidepressivos para indicações não psiquiátricas (incontinências urinárias, dores crônicas, certas enxaquecas, sintomas perimenstruais ou menopausais, ejaculação precoce, problemas gastrointestinais e outros).
As indicações psiquiátricas dos antidepressivos são basicamente os transtornos ansiosos e depressivos ou TADs. Esta sigla abarca depressões mais e menos graves ou crônicas, estados de ansiedade contínua ou em crises (como o pânico), hipocondrias, fobias variadas, transtornos obsessivo compulsivos (TOC), bem como somatizações, tais como diarreias ou vertigens.
Nos TADs, é importante que antidepressivos integrem-se, sempre que possível, a um tratamento do aspecto psicológico da pessoa, a chamada psicoterapia, bem como a orientações sobre ritmos e tipos de atividades, repousos, cuidados com estresses e com um estilo de vida favorável. Um tratamento típico abarca assim um seguimento contínuo, de semanal a bimestral, por períodos que vão de vários meses a 1 ou 2 anos, dependendo da apresentação ansioso-depressiva de cada caso, sua gravidade, cronicidade e suas variáveis individuais.
Todavia, a maioria das receitas de antidepressivos, como aconteceu com os calmantes “tarja preta” desde os anos 60, não se insere no contexto do tratamento ideal descrito acima, mas provém de uma amostra grátis dada pela ginecologista por achar a paciente estressada, ou de uma prescrição sem anamnese psiquiátrica ou seguimento, do último antidepressivo lançado do mercado, casualmente lido em uma propaganda na revista de cardiologia. Na vida real, é frequente o uso de doses inadequadas, sem monitoramento e orientação médica devida ao paciente. Assim ouve-se de muita gente que os remédios “não funcionam” ou “me fizeram super-mal”.
Não obstante, mesmo o médico generalista pode prescrever antidepressivos, dada a importância da relação médico-paciente na melhor evolução dos transtornos ansioso-depressivos e à boa margem de segurança dos fármacos atuais. Neste espírito, é melhor o médico de família que conhece bem o paciente conduzir um tratamento com antidepressivos, em casos menos graves, do que o psiquiatra apressado e desinteressado do “convênio” e/ou aquele que só faz diagnósticos baseado em lista de sintomas e só prescreve seguindo um fluxograma protocolar, sem chegar a ouvir a pessoa em situação de grande mal estar psicológico, por vezes em desespero ou vergonha.
Vimos que o psiquiatra ideal utiliza antidepressivos em um tratamento integrado — psicoterapêutico e de medidas e orientações pró-saúde — e obtém melhoras vigorosas também em pacientes com somatizações encaminhados por outros especialistas, por exemplo, em situações de dores e queixas gastrointestinais, infecções de repetição, sintomas vertiginosos e quedas de memória, formigamentos, faltas de ar asmáticas e não asmáticas. O psiquiatra pode ser assim o melhor médico para aquele paciente que já percorreu vários colegas e que já recebeu diagnósticos e tratamentos questionáveis, por exemplo, para “fibromialgia”, “labirintite”, ou “estresse”.
Antidepressivos devem ser prescritos após cuidadosa avaliação diagnóstica multifatorial (diagnóstico psiquiátrico, clínico-geral, de personalidade, de uso de substâncias, de risco suicida, etc.). Ainda que exista hoje um exame de DNA que pode ajudar, não se sabe a priori que paciente responde melhor a qual medicamento.
Devem ser considerados efeitos terapêuticos e colaterais em tratamentos anteriores do paciente e familiares, doenças concomitantes (co-morbidade), sintomas proeminentes (p. ex. insônia, queixas dolorosas), perfil global (p. ex. sobrepeso, cardiopatia, tendência a obstipação intestinal, repertório cultural do paciente, tendência a vício em drogas ou medicamentos, outros medicamentos ou substâncias em uso, custos, etc.).
O tratamento compreende 3 fases, introdução, manutenção e retirada. Escolhido um fármaco, sua introdução deve ser feita em doses em geral abaixo da dose diária média, lentamente elevadas ao patamar necessário ao melhor balanço entre efeito terapêutico e risco ou efeitos colaterais. Podem ser necessárias substituições ou complementações por outros fármacos, desde que com critério e monitoramento constante. Quando o paciente melhorou como esperado, vem a fase de manutenção do tratamento, de 6 meses a um ano e a seguir a da retirada da medicação, em geral com uma redução gradual de doses.
Na fase de introdução, dada a latência de resposta inicial dos antidepressivos (1–3 semanas) e da resposta plena (pode ser de meses), medicamentos sintomáticos, tais como calmantes “tarja preta”, soníferos ou outros podem ser necessários. Idealmente os medicamentos sintomáticos devem ser mantidos pelo mínimo tempo possível; espera-se que vários sintomas do paciente sejam resolvidos com o tratamento antidepressivo de base.
Assim os antidepressivos convencionais podem efetivamente ajudar pessoas, integrando medidas psicoterápicas e outras, em doses cautelosamente elevadas ou diminuídas por meses ou anos. São também considerados estressores psicossociais e os timings de cada caso; tudo isto requer monitoramento contínuo, numa relação médico-paciente cuidadosamente tecida.
Fora destes contextos, os antidepressivos podem ser prejudiciais ou pouco efetivos. Veja a publicidade médica dos anos 90: Prozac; prescreva O bem estar ao seu paciente, dose única de 20 mg ao dia desde o início”. Quem não gostaria dO bem estar, em apenas uma única receita de rápido preenchimento?

Nem todos gostam do filme, baseado em uma história real.
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sábado, 2 de junho de 2012

Precisamos do DSM-5?


Precisamos do DSM-5?

Depois de termos percorrido toda uma tradição em Psiquiatria, de Pinel  ao séc. XXI – tradição que lidou com sujeitos humanos com sentimento de si e singularidades significativas, existindo em reações, estresses, processos psicóticos, neuroses e perversões - chegamos em 2013 ao admirável mundo da psiquiatria sem sujeito, do Manual Estatístico e Diagnóstico, versão 5.

O DSM-5 insere-se na moderna Psiquiatria do cérebro-mente - que se pretende ateórica a respeito da mente, estatístico-científica, cognitivo-comportamental  - enquanto nosografia descritiva que prescindiria de uma teoria do psiquismo ou de um sujeito humano e corporal a ser ouvido e visto em quanto tal.

Questiona-se todavia se esta Psiquiatria efetivamente ajuda no sofrimento dos pacientes, se ela poderia potencializar o melhor das antigas práticas de bases humanistas e filosóficas que prevaleceram até os anos 70-80 (fenomenologia, psicopatologia, psicanálise, existencialismo, além das abordagens corporais e psicossomáticas).

O desafio ao psiquiatra atual é a meu ver mesclar o legado obtido desde o Iluminismo, aonde nasce a Psiquiatria enquanto parte da Medicina (de base filosófica e empírica), até o melhor que se possa destilar do modelo atual cérebro-mente (de base neurocientífica).

Para tal desafio, contamos hoje com a poderosa e inédita potencialidade do aparato técnico e farmacológico do séc. XXI, disponível para diagnóstico e tratamento (p. ex. ressonâncias, PET-scans, estimuladores magnéticos, neurolépticos e antidepressivos modernos). Tal aparato não teria sua efetividade potencializada, se inserido numa compreensão humanista e corporal do sujeito que vai sendo desprezada na Psiquiatria no estilo DSM?




DSM ou CID?

 Carlos Rey, depondo a Sara Hassan sobre o manifesto StopDSM (ver em stopdsm.blogspot.com) do qual é signatário, inicia dizendo que a idéia principal é  “manifestar a nossa discordância com que o DSM seja o único critério de diagnose clínica: Denunciamos que, oficialmente, é necessário recorrer a uma classificação que nem é como se supõe, científica, mas política” (Rey & Hassan 2012: 2).

Penso que algum Código Internacional de Doenças é necessário, uma versão muito aperfeiçoada do atual CID-10 ou 11 (editados pela Organização Mundial da Saúde, OMS). “Classificação política”, sim, mas de políticas de saúde pública. Necessária à pesquisa clínica, sobretudo em psicofarmacologia, aos sistemas de financiamento e gestão da saúde e à comunicação internacional.

Um “CID futuro” ideal, gerado através de amplo debate transcultural, por exemplo sob os auspícios da OMS forte, deveria transcender as limitações do DSM e superá-lo no uso corrente mundo afora, influenciando as políticas de saúde pública e enfim visando o melhor atendimento ao maior numero possível.

Um CID futuro ideal poderia também ser tributário de um debate wikipédico entre os pesquisadores de sua força-tarefa mundial e a diversidade mundial dos clínicos da saúde mental. Citaria e traria correspondências com outras pesquisas, nosologias, escalas de sintomas, DSMs locais, com descrições do sofrer mental provenientes de línguas e culturas diversas, inclusive não ocidentais, buscando aliviar ou tratar os sofreres que, enfim, temos todos em comum.

Podemos assim sonhar com o CID futuro, que além de seu braço classificatório, possa também documentar as bibliotecas abertas de diálogos com as psicopatologias e nosologias contemporâneas, fenomenológicas, existenciais, psicanalíticas, psicodinâmicas, bioenergéticas, para não falar de medicinas chinesas ou indianas ou de mesmo de culturas que mal temos conhecimento, numa grande síntese antropo-psicopatológica em evolução, que assuma a necessária teorização subjacente às nosografias, convergindo todavia para um consenso classificatório final, ainda que sempre provisório, em forma de código internacional.

     
Mondo DSM...

Já o DSM-5, com seus “transtornos” multiplicando-se por métodos lobistas através de seus pesquisadores opacos (mas com acesso às publicações indexadas e aos financiamentos), mostra o pior do atual provincianismo americano, dos interesses mercantis, das escolinhas comportamentais toscas, dos vieses de uma míope pretensão a um só modo de viver a ciência e a clínica.

Estamos no mondo dos grandes congressos de psiquiatria, de siglas como APA, FDA, da exclusividade terapêutica atribuída a terapias cognitivo-comportamentais, com o pano de fundo do modelo “científico” e supostamente unificado da disfunção cerebral omnicausal e com localizações cerebrais já quase elucidadas.

Neste mondo, o Manual Estatístico e Diagnóstico americano, prestes a chegar à sua versão 5, já se tornou uma respeitável criatura intelectual de cabelos grisalhos, com projeção mundial sobretudo em farmacologia clínica; orgulhosamente gerada em alguns dos 50 estados americanos, mas de pretensão universal. Realidade: muito da pesquisa global em Psiquiatria norteia-se pelas categorias diagnósticas do DSM-4.

Se em 1952, com o DSM-II, a Psicanálise se fazia saliente em termos  tais como histeria ou neurose e em conceitos-chave tais como conflito intra-psíquico, hoje toda referência desapareceu. Duramente criticado nos anos 60-70, o DSM-II “representaria a realização institucional referendada pelo Estado e articulada aos seus dispositivos educacionais, jurídicos e de pesquisa para repressão política” (Dunker & Neto, 2011: 614). De fato: além do elo histeria-feminilidade combatido pelas feministas, somente em 1974 a homossexualidade deixou enfim de ser uma patologia catalogada, após muitos protestos.

Em 1980 surge o DSM-III, que pode ser considerado o momento de virada na Psiquiatria; cansada das querelas das ciências humanas e dos debates políticos, ela mudou completamente: ela é agora biológica, neurocientífica, supostamente já sem teorias psíquicas ou sócio-culturais subjacentes, acreditando enfim dispor, de uma vez por todas, de um “sistema de diagnóstico preciso do ponto de vista descritivo-terminológico e passível de servir de apoio para pesquisa empírico-experimental” (Dunker & Neto, 2011: 616).

Nos dias de hoje, nos corredores dos laboratórios farmacêuticos  e universitários, os psiquiatras que são a força-tarefa do DSM-5 caminham ombro a ombro com estatísticos, estagiários, zootecnistas de modelos animais, lobistas, ghost-writers, gente de eventos e financiadores, corredores onde Freud ou Jaspers já são ilustres desconhecidos.

Como parte de um credo único que agora despreza o passado, o DSM chega aos ambulatórios e consultórios modernos na forma de transtornos agora  catalogáveis e recriáveis a partir de prontuários, alimentados por questionários estandardizados e tabuláveis em pontos e escalas. Como que por coincidência, os psiquiatras americanos ficam assim resguardados dos processos de má-prática típicos do país, graças à documentação e a “evidência” que é gerada neste estilo de clínica.

Fechando o círculo, o enorme marketing da brain-pharma assegura o contato dos clínicos com os novos produtos, que geram prescrições de medicamentos caros com vieses óbvios contra o bem estar do paciente, que passou agora a ser bipolar ou hiperativo... quinze vezes mais que em 1980? Ou ser portador de novos transtornos de impulsos ou tiques recém-elencados, além de múltiplas “co-morbidades”? Muitas mais pessoas precisam de muitos mais tratamentos...

Anedota ou não, a julgar pela leitura feita por auditores das proposições do Comitê para a Proposição de Novos Transtornos do DSM-5, boa parte da população teria um novo diagnóstico DSM-5, de transtorno hiper-sexual se pensasse ou fizesse sexo algo como mais de 6 horas por semana, e hipo-sexual com menos de uma hora por quinzena.

Tanto quanto os críticos do óbvio conflito de interesses nas pesquisas de psicofarmacologia clínica patrocinados pela indústria farmacêutica, o movimento StopDSM  tem plena razão em criticar o mal uso, uso reificado e/ou perverso da Estatística e enfatizar a dimensão verdadeiramente clínica do diagnóstico em Psiquiatria, que diz respeito à singularidade de um sujeito humano. O que quer dizer afinal ser portador de transtorno hipo ou hiperssexual? Seria pertinente iniciar imediatamente Viagra ou Broxol XR?


CID futuro ideal

Apesar da hegemonia atual desta psiquiatria no estilo DSM-5 e seu entorno neo-liberal em crise, acredito que precisamos de um Código Internacional de Doenças (CID) futuro. Contra Carlos Rey, mas sem desqualificar práticas clínicas da singularidade, como a psicanálise ou análise existencial, acredito que também necessitamos de critérios estatísticos, epidemiológicos e um estilo científico de pesquisar que não pode prescindir, ao menos na dimensão da saúde pública, de uma necessária unificação descritiva e de uniformização de nomenclaturas, tais como as de um CID ou DSM.

Mesmo como instrumento de um aspecto pouco relevante da clínica de sujeitos singulares num vínculo médico-paciente, aquele da relação do profissional com sistemas de saúde públicos ou privados, ter um código internacional para relatar cada atendimento tornou-se realidade incontornável no modelo de assistência praticado no mundo ocidental.

Já a indicação de medicamentos psiquiátricos, ainda que limitada pela prática atual de tratamento de sintomas ou síndromes - como benzodiazepínicos para sintomas ansiosos ou antidepressivos para síndromes depressivas - deveria ser idealmente norteada por uma psicopatologia respondendo por categorias nosográficas mais cada vez mais precisas, consensuais, uniformes e delimitadas, tais como as de um CID futuro.

Todavia, hoje muitas indicações farmacoterápicas já são feitas em função de diagnósticos DSM-IV questionáveis que a meu ver não beneficiam o paciente, sancionando por exemplo a hiperinflação de bipolaridades tratadas com anticonvulsivantes ou hiperatividades tratadas com anfetaminas caras.

Não obstante, toda a pesquisa clínica com psicofármacos depende de uma nosografia estabelecida, por exemplo para se comparar diferentes fármacos em função de sua  indicação para categorias diagnósticas claramente delimitadas (p. ex. lítio e anticonvulsivantes no leque clínico das bipolaridades do humor), bem como para comparar o espectro de ações de um fármaco em diferentes categorias diagnósticas (p. ex. espectro de ação de antidepressivos e neurolépticos atípicos).

Assim, questiona-se também se o recorte de efetividade de certos fármacos não possa delimitar grandes categorias sindrômicas e diagnósticas (p. ex., determinados perfis clínicos ansiosos e depressivos altamente responsivos a tais ou tais antidepressivos, que possivelmente partilham circuitarias neuronais e neurotransmissores em comum).

.Também a pesquisa das bases neurocientíficas da Psiquiatria depende de uma boa nosografia, com o estabelecimento de correlações entre alterações microanatômicas-funcionais, respostas farmacológicas e alterações psíquicas específicas.

Até mesmo a delicada pesquisa de eficácia de psicoterapias depende de como entendemos e nomeamos, ao longo do tempo, o que é o sofrer e o fruir humanos. Mas para definir “eficácia” de uma psicoterapia precisamos  além das nosografias, recorrer à psicopatologia e mesmo à filosofia, notáveis ausentes na formação do psiquiatra atual no modelo DSM. Que critérios estatísticos definiriam o que é afinal uma psicoterapia eficaz?


Diagnóstico e prognose além do CID

Sara Hassan, lendo meus argumentos sobre a necessidade de um sistema nosográfico e classificatório, comentou que mesmo dispondo-se de um CID ideal existe o risco de hipertrofia deste modelo diagnóstico classificatório, segregando ou diluindo outros enfoques, tais como a psicanálise.

Do meu lado, refleti que tal comentário entra em sintonia com a tese que emergiu a partir da minha reflexão sobre o DSM-5, a saber, que paralelamente a um diagnóstico ao estilo CID se possam formular diagnósticos da singularidade, evolutivos, dependentes de observação e elaboração concomitantes e continuadas, no seio de um vínculo, como é proposto pela psicanálise e pelas psicoterapias que contemplam um sujeito singular.

No contexto de um atendimento psiquiátrico mínimo, envolvendo apenas farmacoterapia e pouco tempo junto ao paciente - como é regra na saúde gerenciada, pública ou privada - diagnósticos da singularidade nem sempre são factíveis e o tratamento consiste apenas no seguimento de um protocolo que tem como premissa um código CID. Mesmo diagnósticos do eixo II do sistema DSM (de personalidade), ou do eixo IV (contextos psicossociais), não tem como ser realizados com rigor quando o atendimento é mínimo, em tempo e em vinculação terapêutica.

Em condições mais favoráveis de tratamento, quando se pode efetivamente estabelecer um vínculo terapêutico e dialogar com o paciente ao longo de muitas sessões, diagnósticos da singularidade são possíveis e desejáveis, implicando em tratamentos mais efetivos.

Isto é o que busco na minha clínica, que conjuga farmacoterapia, orientações sobre modus vivendi adequados e psicoterapia. Além de um diagnóstico psiquiátrico convencional, como os códigos CID, procuro estabelecer diagnósticos da singularidade do paciente, que particularizam e assim dão maior eficácia às medidas de tratamento, farmacológicas, psicoterápicas, além da ênfase às orientações gerais para promoção da saúde.

Estes diagnósticos da singularidade - psicodinâmicos, do grau de resiliência, da capacidade de enfrentamento (coping) e do bom funcionamento egóico, da estrutura e funcionamento cognitivo, emocional, familiar e vincular, do sistema de crenças sócio-culturais, dos sentidos dados à própria existência presente e passada – são de certo modo semelhantes aos critérios diagnósticos “clínicos” descrito por Carlos Rey no contexto psicanalítico:

 “Clínica é a observação, estudo, análise do paciente, da sua história e do seu relato (...) como tem vivido sua vida, (...) sua experiência”. Obtém-se assim junto e com o paciente um saber clínico, um prognose, “...fruto da transferência, do trabalho conjunto, da elaboração do paciente, da escuta do profissional” (Rey & Hassan 2012:4).

Todavia, os critérios “clínicos” de Rey tem a especificidade da clínica psicanalítica, enquanto meu conceito de diagnósticos da singularidade tem outro foco, mais egóico e que se faz no vínculo médico-paciente e psicoterápico, abarcando dimensões que incluem diagnósticos médicos gerais, da história e cultura familiar, sócio-culturais, da personalidade, dos recursos lógicos, emocionais e atitudinais e das capacidades de mudança e  insight.

Não obstante, o diagnóstico amplo que proponho abarca e coincide - no benefício do paciente que teria assim melhor tratamento – com a posição de Rey: “nós, os psicanalistas, reivindicamos a subjetividade e portanto a diversidade de maneira de ser e de estar no mundo, de sentir, de pensar, definitivamente de viver, curtir e sofrer” (Rey & Hassan 2012:3).
 
A busca de uma compreensão do paciente em sua singularidade visa enfim ter por conseqüência  em uma conduta médica ideal, isto é para a proposição de um mix de medidas e regimes de tratamento adequados àquele paciente singular, no antigo espírito da medicina hipocrática; “a ação curativa dependerá de um triplo ‘que’, que doença, que doente, que remédio” (Carvalho 2004: 58).


Ressonâncias com o Manifesto de Barcelona e M. Foucault

Assim como os signatários do Manifesto de Barcelona, documento-referência do movimento “StopDSM - como critério único de diagnose clínica” (veja em stopdsm.blogspot.com.br), também sou contra as “certezas clínicas” dadas por “gestores e investidores dos sistemas de saúde”, que começam com a razoável idéia de mínima normatividade necessária, mas logo se tornam certezas cínicas, verdade única, modelo coercitivo onde “tudo é para o paciente, sem o paciente”. Seria porque um “saber sem sujeito é desde logo um poder sobre o sujeito”?  (Manifesto de Barcelona, 2011).

Reencontramos assim no DSM-5, sob o disfarce de cientificismo ideologicamente neutro, o biopoder postulado por M. Foucault em versão contemporânea, o mesmo biopoder exercido desde fins do séc. XVIII sobre os “processos biológicos ou bio-sociológicos das massas humanas”.

 Reencontramos o biopoder potencial da Medicina, “saber-poder que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e sobre os processos biológicos e que vai, portanto, ter efeitos disciplinares e efeitos regulamentadores” (Foucault 2005: 302).

Assim, se precisamos minimamente de códigos de doenças e protocolos diretivos de tratamento, que saibamos como e a quem atendem e a quem deveriam atender, pois tanto como os proponentes do Manifesto de Barcelona, “não consideramos que as classificações e tratamentos possam ser neutros em relação às teorias etiológicas e ao mesmo tempo ser neutros a respeito das ideologias de controle social e de interesses que não são clínicos”.

Ora, desde Hipócrates, o interesse central do praticante da clínica é o paciente. Daí a meu ver a discordância de tantos profissionais da saúde mental com o DSM enquanto “critério único de diagnose” e a insistência na pluralidade dos diagnósticos clínicos em psiquiatria, na preservação da tradição da psicopatologia e da ética médica.   


Ressonâncias com o manifesto de Buenos Aires

O Manifesto de Buenos Aires originou-se de debates em torno da patologização da infância e da juventude, em 2011. Significativamente, este outro manifesto-referência do movimento StopDSM enfatiza os riscos do etiquetamento precoce e das estigmatizações potenciais conseqüentes a diagnósticos no estilo DSM, correlata à ausência de compreensão de um jovem singular em sofrimento psíquico, nos seus contextos vinculares, familiares e sociais.

Citando este manifesto (ver em “stopdsm.blogspot.com.br”), enfatizo que: “um Manual como o DSM (...) que não leva em conta a história, nem os fatores desencadeantes ou o que subjaz a um comportamento, obtura as possibilidades de pensar e de se interrogar sobre o que ocorre a um ser humano”.

Com isto “se solapam as determinações intra- e intersubjetivas do sofrimento psíquico” e, como novamente observamos, se compromete “a realização de um tratamento adequado a cada paciente” (grifo meu).

No mesmo golpe, acrescentaria ainda, se pode penalizar com um conjunto de transtornos-rótulos quase todo o jovem que em algum momento evolutivo apresentar um comportamento que se julga destoar da norma disciplinar; temos aí um biopoder de enorme potencial autoritário.


Ressonâncias com o Manifesto de S. João del Rey

Neste manifesto conjunto de instituições universitárias brasileiras (ver stopdsm.blogspot.com.br), faz-se uma detida crítica do DSM-5 a partir de sua fundamentação epistemológica frouxa e de seus vieses políticos, econômicos e doutrinários, que culminam simultaneamente no alijamento de toda a tradição em psicopatologia e na “patologização da existência”, como também assinalado nos manifestos de Barcelona e Buenos Aires.

Cito: “Os promotores dos DSM’s confundem quantificação (estatística) com inteligibilidade científica”; isto a ponto de, como lemos no manifesto, um psiquiatra americano ter em 1984 decretado, ao estilo de F. Fukuyama, o fim da história da Psiquiatria, pois o DSM “teria vencido a batalha científica em relação aos outros sistemas e teorias diagnósticas e psiquiátricas”.

A “vitória” nesta batalha pode todavia não representar (alívio...) o fim da história da Psicopatologia, agora feita tabula rasa, mas é infeliz e patente que a hegemonia da visão de mundo DSM “acaba por impedir que se faça uma discussão séria sobre o que é o normal e o patológico”.

Se esta vitória é ou não de uma aliança entre os partidários da etiologia puramente biológica, os interesses mercantis e um dissimulado biopoder que se apodera do sofrimento psíquico, o resultado é um manual que cataloga fenômenos psíquicos  “sem preocupação em saber como surgem, porque surgem, como se articulam entre si e, principalmente que função podem desempenhar para determinado sujeito”.

 Inúmeras conseqüências derivam disto. Reitero apenas que a pretensão a uma Psiquiatria sem referência a um “sujeito e sua singularidade sintomática” só pode resultar em tratamentos piores aos pacientes reais, com seu foco em abolir sintomas inventariados, que seriam expressões de meras disfunções cerebrais e não de complexas formações simbólicas no contexto de uma existência humana.


Enquanto isto na América...

Nos EUA, exceto por grupos minoritários, sobretudo de psicólogos (ver p. ex. http://www.ipetitions.com/petition/dsm5) e críticos culturais ao estilo europeu, o tom médio das discussões sobre o DSM-5 não é de questionamento às fundações epistemológicas, clínicas e psicopatológicas dos manuais estatísticos - como vimos acima - mas apenas de convocação a revisões e reformas, sobretudo em definições de transtornos com óbvios exageros e vieses.

Assim, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em fevereiro de 2012, A. Frances - o relator-chefe do DSM-IV em 2000 e hoje um dos críticos mais ouvidos sobre o DSM-5 (Frances 2012a) - faz pertinentes críticas ao DSM-5, enfatizando seus elos com a indústria farmacêutica e com pesquisadores opacos ultra-especializados e distanciados da clínica com pessoas reais.

Já em maio de 2012 o mesmo Frances comemora a retirada de alguns dos transtornos propostos mais controversos do DSM-5, tais como “risco de psicose”, ou “depressão em período de luto”, mas mantém afinal o que parece ser o espírito de mero reformismo do texto. Veja “Wonderful News: DSM-5 Finally Begins Its Belated and Necessary Retreat “ (Frances 2012). Confira o próprio site da força-tarefa do DSM, da American Psychiatric Association, APA, em www.dsm5.org.

De modo geral, parece que entre os psiquiatras americanos acredita-se nas “evidências” facultando o uso generalizado e acrítico do DSM e em uma gradual auto-correção da confiabilidade e cientificidade das futuras revisões do manual, sem questionamentos como os propostos pelo StopDSM.

Assim, contra este DSM-5 volto a contrapor um CID futuro com um restrito braço classificatório colocado em seus limites utilitários (epidemiológicos, administrativos, de pesquisa); sem apequenar a clínica em prejuízo dos pacientes, sem menosprezar a tradição psicopatológica, considerando detidamente os múltiplos efeitos políticos de uma nosografia onipresente, afinal em benefício ou não das pessoas em sofrimento psíquico.
  

A volta do venerável problema cérebro/mente: a proposta do interacionismo psicofísico

Nestes últimos parágrafos, postulando que uma nosografia deve dialogar com alguma teoria psicopatológica e que esta deve ser enfim tributária de uma teoria da mente e do psíquico, esboçarei algumas conseqüências da assunção de um interacionismo psicofísico de mão dupla na explicação da origem de sintomas em psiquiatria, tanto contra o estilo DSM (disfunção biológica) quanto contra a causação estritamente psíquica e simbólica (exclusivamente conflitos intra e extrapsíquicos).

Vimos que se no espírito do DSM, listas de sintomas são “expressões de meras disfunções cerebrais e não de complexas formações simbólicas no contexto de uma existência humana”, seria supostamente possível desconsiderar o incontornável problema dos elos entre cérebro, mente e psiquismo, objeto das Ciências Cognitivas. Conceitos como “formações simbólicas”, “representações mentais investidas de afeto” ou qualquer arcabouço de teoria psíquica seriam assim desnecessários para a Psiquiatria?

Do mesmo modo se podem desconsiderar os eventos cerebrais, cada vez mais documentados, ao se pensar o sofrimento  psíquico somente em termos do complexo simbolismo afetivo humano. Assim, C. Rey, reivindicando o justo lugar para a subjetividade quer “a psique como sinônimo de ‘mental’, não de ‘cerebral’ (...)...reivindicamos a causalidade psíquica nos conflitos, problemas e sofrimento psíquico” (Rey & Hassan 2012: 3).

Ora, a meu ver as assertivas acima não são incompatíveis entre si e com o que as Ciências Cognitivas nos permitem afirmar, desde que não haja a pretensão de ser ateórico como nos DSMs e que se assuma alguma posição quanto ao venerável problema filosófico das relações entre o corpo/cérebro e a mente/psíquico. A meu ver, não há só causalidade psíquica; genética e acúmulo de proteínas anormais também estão implicados no sofrimento psíquico. Seria uma questão de proporção em cada caso clínico real.

Assumir um interacionismo psicofísico, além do mero paralelismo psicofísico, permite imaginar um vice e versa da causalidade, tanto do físico sobre o psíquico (p. ex. doença de Alzheimer, biológica, e suas repercussões vivenciais), quanto do psíquico sobre o físico (caso das conversões histéricas, doenças psicossomáticas e das doenças auto-imunes em algum grau).

De modo mais realista, há que se assumir uma interação complexa e em proporções continuamente variáveis entre “nature” e “nurture”, p. ex. entre repetição gerando hábito (princípio das redes neurais) e hábito gerando repetição (masoquismo, compulsividades). Mais ainda, podemos imaginar causações genéticas, ambientais, neurodegenerativas, psicodinâmicas e sócio-culturais retroalimentando-se mutuamente, de modo a criar estas singularidades imprevisíveis que são os sujeitos humanos.

Deste modo, é possível conceber correspondências entre causações biológicas e psíquico-culturais em Psiquiatria e postular respostas para  “o problema da universalidade das formas do patológico” enfocado pelas psicopatologias (Dunker & Neto 2011:617), fazendo-as derivar do imbricamento complexo entre causações biológicas, psíquicas e culturais.

Ficariam assim no mesmo plano “a universalidade biológica das modalidades do patológico baseada em perturbações genéticas, endócrinas, neuroquímicas, anatômicas” e “o que há de universal entre ou nas culturas, por exemplo, estruturas familiares, funções de personalidade, gramáticas simbólicas”.

Do mesmo modo, equaciona-se o problema “da evolução do patológico”, tanto na história das culturas (p. ex., a dramática passagem das conversões observadas por Charcot às anorexias e bulimias atuais, no contexto das histerias descritas pela Psicanálise) como no sujeito singular (p. ex. o embate de forças no ego tomado por disfunções cognitivas ou por alucinações e delírios que caracterizam a psicose crônica com e sem tratamento; lembramos aqui o famoso Caso Schreber analisado por Freud).

Para Dunker & Neto (2011) estes dois difíceis problemas, da universalidade e da evolução das patologias mentais, devem ser respondidos por qualquer Psicopatologia que aspire servir de base à Psiquiatria. Infelizmente são reflexões dos quais a weltanschauung ao estilo DSM e das linhas organicistas mais filosoficamente tacanhas nos afastam cada vez mais.


Referências

Colluci, C. & Garcia, R. (2012) Novo manual de diagnóstico provoca guerra na psiquiatria, Folha de São Paulo de 05/02/12, capturado em 26/05/12 em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1043956

Carvalho, C. C. (2004) Do poder das palavras às palavras do poder, Revista Portuguesa de Psicossomática vol. 6, nº 1 (55-62).

Dunker, C. & Neto, F. (2011) A crítica psicanalítica do DSM-IV – breve história do casamento psicopatológico entre psicanálise e psiquiatria. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, vol. 14, pags. 611-626.

Foucault, M. (2005) Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes.

Frances, A. (2012) Wonderful News: DSM-5 Finally Begins Its Belated and Necessary Retreat, Psychiatric Times, capturado em 26/05/12 em http://www.psychiatrictimes.com/blog/frances

Frances, A. (2012a) Propostas de mudança no manual da psiquiatria são ‘inconseqüentes’, diz especialista, Folha de São Paulo de 05/02/12, capturado em 26/05/12 em http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/1043918

Manifesto de Barcelona, capturado em 7 maio de 2012, em http://www.stopdsm.blogspot.com.br .

Manifesto de Buenos Aires, capturado em 7 maio de 2012, em http://www.stopdsm.blogspot.com.br.

Manifesto de S. J. Del Rey, capturado em 7 maio de 2012, em http://www.stopdsm.blogspot.com.br.

Rey, C. & Hassan, S. (2012) Por uma psicopatologia clínica não estatística; sobre o manifesto stopDSM, Carlos Rey entrevistado por Sara Hassan (pags. 1-5). 

www.dsm5.org., site oficial da força-tarefa do DSM-5, capturado em 12 maio 2012.
Open Letter to DSM-5, em http://www.ipetitions.com/petition/dsm5,  no site oficial da American Psychological Association, capturado em 1 junho 2012.

sábado, 5 de maio de 2012

Conferência em Berkeley, CA 1994



Semiotics of connectionism and classical cognitivism from a Peircean standpoint

Breno Serson


One of the central theoretical problems of contemporary Cognitive Science is to find a comprehensive theory of "representations" (proposition-like, image-like, concept-like) and "inferences" (deduction, but also induction and abduction). How to integrate, within the same basic framework, low-level and high-level cognitive processes, such as pattern recognition, image/word matching, proposition generation, and human-like reasoning? In this paper I present a minimal overview of the semiotics of classical cognitivism (hereafter CC) and connectionism (hereafter CX), and I suggest that Peirce’s Logic (or Semiotic) may help us to understand any cognitive process within the same descriptive, normative, and prescriptive semiotical framework, throwing new light on the contemporary debate on mental representations and inferences, beyond CC and CX views.
C. S. Peirce is an old-time forgotten logician having very little direct influence on the theory or practice of contemporary cognitive scientists. One might say that this has been changing in the last few  years (e.g., Thagard 1988; Fetzer 1993: 62-75); nevertheless, within the "cognitive galaxy" of researchers, the main semiotical backgrounds are still drawn from modern symbolic logic, generative grammar principles, computer programming tools, and, sometimes, Roschian prototype theory. The semiotic underlying mainstream Cognitive Science is basically still related to Fregean, Russerlian, Turingian, and Chomskyan views, and/or to an ad hoc account of sign systems (such as block or letters "worlds" or other restricted semantic domains of CC and CX current examples). What is worse, influential authors, such as Fodor or Pylyshyn, behave as if a simple Semiotic (or no semiotic concern) were more than enough. If thought is made of English-like phrases indeed, phrases that are made of physical signs which refer to outside single objects and situations such as "cats" or "be on something", why bother? (e.g., Fodor & McLaughlin 1990: 185-186). In all, it would be no exaggeration to say that an insufficient dyadic/direct reference semiotic, if not a "folk semiotic" underlies contemporary Cognitive Science. Even if a comprehensive "non-folk" alternative theory is not at hand, its features may be envisageable for a Peircean semioticist, who may analyse the semiotics of CC and CX without appealing to complex jargon and theories: he or she needs not much more than evoking some conceptual 1-2-3-type distinctions, such as icon/index/symbol, vague/definite and determinate/general and abduction/deduction/induction.


1. Semiotics of CC and CX: minimal overview

Recall that Peirce distinguishes indices from other signs because of a physical connection or the temporo-spatial contiguity these latter entertain with their objects. Classical cognitivism, similarly to the theory of formal systems, is held together by a sign theory within which discrete index-like atomic signs — having no vagueness or generality — are manipulated only through modus ponens and its variations (sophistication by meta-rules, or by probabilistic/heuristic procedures, does not invalidate the preceding claim). CC, in its Fodorian orthodox version, semiotically reduces itself to a view that cognition is a complex concatenation of syllogistic formulae, built of meaningless "physical symbols" that stand for our human meaningful Peircean symbols. Atomic elementary signs (such as mentalese for "cat") dyadically refer to both a sequence of physical events that may be coded by numbers (such as 01011010) and to a completely determined and singularized "object" (even if, a posteriori, this object corresponds to an individual, a concept or a general class). These "double face" atomic elementary signs act as indices put in one-to-one correspondence with tokens of Peircean types, manipulated through the rules of some formal language (e.g., first order logic), once they are properly organized - syntactically and truth preserving — into proposition-like structures.
Daniel Dennett is one of the sharpest critics of cognitive scientists having a linguistic, logic or computer science background that "have a tendency to suppose that the mind’s 'internal representations' resemble well formed phrases of a grammatical language — a language of thought". In fact, stresses Dennett (1990: xv), "some of the theoretician’s hardest problems are by-products of this simplistic hypothesis". It is at once simplistic and tempting to explain the plasticity and the self-engenderment that characterize our intelligence by Turingian manipulation of formal languages. Contrary to the irreducible triadicity through which Peirce describes any intelligent process, sign transformation processes postulated (and simulated) by CC are strictly dyadic. Recall Biology’s main coding process DNA/RNA/aminoacids: however different from each other, coding processes conform to a one-to-one correspondence of signs acting as indices of one another. However simple their main principle may be, coding processes may have rich informative alphabets and/or imaginative combinatorial syntax. For instance, prefixes, roots, and suffixes may indicate grammatical positions within (computer language) well-formed phrases or lists. Metalinguistic "words" may code things such as first/last, doubt/belief, and possible/actual/general. DNA/RNA/aminoacids coding, for instance, has at least one simple metalinguistic level. None of these fascinating facts about "coding" renders my main claim invalid: within the universe of dyadic deductive manipulation of marks there is no place for iconicity or generality. In consequence, there is no place for real abduction or inductive learning of general laws, only for analytical reasoning obtained by index/rule manipulation.
For connectionism, the basic semiotical operation consists in the classification and the pairing of icons to more general icons through a semiotic habit, related to a matrix of synaptic weights. CX deals with a rudimentary kind of statistic guided inductive matching of iconical inputs with output signs that code for or represent, a posteriori, concepts, classes or ad hoc signs that are meaningful to us. CX attractors correspond to general classes to which input icons are recognized as belonging. Note that in contrast to a certain "semiotical univocivity" that permeates CC, connectionism is still in quest of the theoretical status of the various "representations" and "inferences" with which it deals in empirical and technical arenas (e.g., localized vs. distributed representations; supervised vs. non-supervised learning; emergence vs. instantiation/reductibility of CX to CC symbol processing; see Smolensky 1988). However heterogeneous, neural networks (hereafter NN) exhibit many interrelated features — robustness, graceful degradation, parallel processing, auto-organization — which have a global biological and psychological appeal of verisimilitude. Moreover, specific semiotic features — icon generalisation/categorialization, self-corrected learning, prototype-extraction — are compatible not only with living cognitive systems’ style, but also with many Peircean theories (e.g., the habit/final interpretant theory, the general theory of evolution). In constrast, CC seems to be hardly compatible to anything other than a strange rationalist and non-evolutive world, filled with Frege’s signs created ex nihilo and powered by symbolic logic.
In order to study the semiotic of CX, it is important to distinguish (i) operation , (ii) learning, and (iii) interpretation of the output of an NN. Operation (i): any likeness between two objects is always made in relation to one or more characters or qualities. For Peirce, a given form is an icon of another form through the mediation of a ground (the law related to the common quality establishing the iconic similarity). Accordingly, the operation of a given NN is based upon the satisfaction of the best "iconicity" between input and output, through the mediation of a ground that corresponds to the habit instantiated by the synaptic weights. Learning (ii):  the synaptic weights may or must change in the operation of an NN (Peirce’s habit and habit change). The memory of a CX system — the stocked representations within "invisible" synaptic weights and attractors — is really general and potential, being able to subsume a multitude of forms. Moreover, it is plastic: once in contact with an environment of input forms (the "perceptive window" of a given NN), the capacities of generalization of some NN may become self-corrective and they may function as rules not learned as rules proper. Interpretation of the output (iii): the semiotic status of the so-called local representations — where one active unity in the output layer corresponds to a definite predication for a human interpreter — resembles the semiotical status of "physical symbols". Therefore NNs working with local representations may be directly coupled to a CC system (at least in theory). Distributed representations are much more interesting, insofar as they can play the role of icons that might, potentially, be put in correspondence with more general icons (or even, a posteriori, with prototypes or concepts), in a cascade manner. Contrary to CC, other kinds of "representation" are possible within CX, without any a priori exclusion.


2. Peirce’s Semiotic=Logic and Cognitive Science
 
Classical cognitivism is tempting because of easy computability, generativity and compositionality, methodological solipsism, and syntax/semantic strict parallelism, but its "coding" character (one-to-one correspondence of signs acting as indices of one another) blocks the road to the understanding of image representation, real abduction and induction. Moreover, CC, being committed to "classical" Cartesian background and to "classical" logical axiomatisation, is therefore obliged to face demiurgically created primitive atoms and/or innate languages (grammars, parsing mechanisms, etc.). Connectionism is fascinating because of its biological and psychological "realism" in respect to learning and adaptation, but its semiotical characteristics, however interesting, taken in isolation, are insufficient to build any language-like sign system exhibiting compositionality, and thus human-like intelligence. I will now briefly suggest that, from a Peircean point of view, both CC and CX may be viewed as only single clusters of puzzle parts within the "cognition" puzzle, respectively of the indexical and iconical "components" of Peirce’s triadic symbol. Due to the limits of a very short article, the arguments to support my last claims will be left implicit in what follows.
For Peirce, Logic equals Semiotic because the three kinds of symbols — inferences, propositions and logical terms — all share the same semiotical syntax and are all built out from the same simpler indexical and iconic signs. A term  is "generalized" far beyond Frege’s propositional function to become an "unsaturated" rhematic symbol, the predicate of the broadly conceived "saturated" proposition or dicent symbol (which can be even a portrait with a name underneath). Accordingly, an inference or argument symbol is considered as a conditional (if... then) proposition, where the consequent is a predicate (a sign) of the antecedent. I attempted to show elsewhere (Serson, forthcoming) that these claims may be formalized with the aid of lattices which exhibit the relations between the ten classes of signs described in 1902 (Peirce 1931-1966, 2: 138-150, i.e., CP 2.233-65). All this may help us to understand how almost every perceptual and cognitive human activity articulates (i) iconic representation  with (ii) propositional representation and (iii) inference making (either abduction, deduction, or induction).


References

Dennett, Daniel
       1990  La stratégie de l’interprète. Paris: Gallimard.

Fetzer, James H.
       1993  Philosophy and cognitive science. New York: Paragon House.

Fodor, Jerry and Brian P. McLaughlin
       1990  "Connectionism and the problem of systematicity: Why Smolensky’s      solution doesn’t work", Cognition 35: 183-204.

Peirce, Charles S.
       1931-1966  The collected papers of C. S. Peirce. 8 vols. C. Hartshorne, P. Weiss, and A. W. Burks (eds.). Cambridge, MA: The Belknap Press.
Serson, Breno
       (forthcoming)  "On Peirce’s Pure Grammar as a general theory of cognition.                       Semiotica.

Smolensky, Paul
       1988  "On proper treatment of connectionism", Behavioral and Brain Sciences     11(1): 3-31.

Thagard, Paul
       1988  Computational philosophy of science. Cambridge, MA: MIT Press.

Rumos e descaminhos em psiquiatria


Rumos e descaminhos em psiquiatria

Breno Serson (originalmente discutida em 2007 no GAPP, Grupo Autônomo de Estudos em Psicanálise e Psicofármacos, brenoserson@terra.com.br)

 

 

Buscando um psiquiatra na América.

Ano 2007. Imagine-se sofrendo de sintomas ansiosos e depressivos, dos quais você já leu ou ouviu a respeito. A caminho de um consultório, em um alto prédio comercial, você repassa um relato sobre fatos marcantes ou traumáticos da sua vida. Agora na poltrona, você tenta relatar seu sofrer ao psiquiatra que procurou na América, em desespero tímido. Um brasileiro imigrante, por exemplo.
Desconcertado e algo surpreso com a entrevista estruturada a que vai sendo submetido, prontamente tabulada no laptop do médico, você logo ganha a rua com receitas na mão, sem afinal ter tido o seu relato escutado. Apenas “Yes Mr. Silva”, em diálogos que soavam ensaiados. Ao longo de meses, você nunca vai poder detalhar as boas razões para tomar as 4 variedades de pílulas coloridas, algo como “benzodiazepínico, antidepressivo, estabilizador de humor e hipnótico”. Talvez você pouco se beneficie das 10 sessões de psicoterapia comportamental estandartizadas e do preenchimento de relatórios de sintomas e escalas auto-aplicáveis. A psicoterapia acaba e você no íntimo ainda sofre.
A melhora e/ou normalização forçada de alguns sintomas (como a insônia ou fadiga crônica) acabam por não compensar os efeitos adversos e fantasiosos da medicação, as limitações, custos e desgastes do tratamento, a sensação de dopamento, a solidão de se sentir bem pouco acolhido no tratamento. Além de mal-estares corporais persiste afinal sofrimento, por exemplo, culpa ou conflito ansiogênico, como Hamlet ou MacBeth simplificados, ao estar consigo e nas relações humanas.
Você assim o abandona o tratamento, de padrão “científico”, acaba conseguindo receitas de um ou outro calmante tarja preta, um Rivotril ou Lexotan “básicos”, usando-os ocasionalmente, nos piores momentos. Mais tarde talvez vá buscar, com resultados muito variáveis, uma terapia de aconselhamento filosófico (cf. Marinoff 2004), a medicina chinesa, abordagens religiosas, suplementos “orto-moleculares” (cf. Sahley & Birkner 2004) e até mesmo hormônio masculino (DEAH), vendido com o aval do Federal Drug Agency (FDA) como “suplemento nutricional”, “not intended to diagnose, cure or alleviate any disease”.
Cá estamos no esvaziamento humano, na desinformação premeditada, no narcisismo de resultados, em um mundo Nike ou Reebok de imagens, na tecnificação protocolar da América, que também já aqui se imitam acriticamente, com provincianos ares de vanguarda. Apesar dos recursos diagnósticos e farmacoterápicos de eficácia inédita no Ocidente, seriam apenas anedóticos os resultados limitados desta medicina moderna dos quadros ansiosos e depressivos e do que antes se chamava neurose, histeria ou quadros neuro-vegetativos?
Como isto se relaciona com as condições de produção deste estilo de conhecimento médico? Podemos considerar os vieses estatísticos e metodológicos dos studies das revistas especializadas, aqueles da indústria farmacêutica, do FDA, da ideologia biologicista, apoiados na onipresente classificação de “transtornos mentais” DSM (Diagnostic and Statistical Manual). Estes studies, bem encomendados e distribuídos (cf. Smith 2005) são hegemônicos entre os artigos publicados e citados.
Não precisamos de filmes como “Obrigado por fumar” (2005, dir. J. Reitman) ou “O jardineiro fiel” (2005, dir. F. Meirelles) para fantasiar o networking da indústria farmacêutica com a academia e seus expoentes midiáticos, bem como com as empresas de pesquisa “terceirizadas”, no direcionamento das pesquisas, no uso feito das publicações médicas e na geração dos top-ten products farmacêuticos citados e vendidos.
Os números são mais expressivos que nunca (bilhões...) e fala-se, por exemplo, em revistas de marketing, na “luta pelo novo mercado dos estabilizadores do humor”, agora que muitas patentes de antidepressivos modernos (circa 1990), lucros passados, estão expirando.
De outro ponto de vista, há sem dúvida relação entre prognósticos clínicos modestos e a qualidade humana das consultas da vida real, por vezes de 15-20 minutos. Assim aplica-se a “ciência” psiquiátrica americana à prática dos consultórios e ambulatórios, tanto públicos (onde o welfare state é passado rápido e remoto) quanto privados, aquele dos pervasivos seguros “saúde” e do managed care. Note que isto não diz só respeito à psiquiatria, mas atinge a medicina e a rebaixa eticamente como um todo.
Tudo sob égide de uma ciência “baseada em evidências” que supostamente forneceria diretrizes clínicas inequívocas (cf. Grinberg 2007) sob a forma de algoritmos e guidelines. Estes tecnificam em excesso o médico, sob o pano de fundo da indústria advocatícia de processos por “malpractice” e por perda de lucros do paciente, enfim tudo novo e moderno como no marketing, como se a toda a tradição médica fosse velharia pouco eficaz a desconsiderar. 
Especificamente, falamos de uma nova clínica psiquiátrica que se inflou dos avanços das neurociências e da efetividade de novos fármacos para evacuar do seu campo a psicopatologia enraizada na tradição filosófica (como a fenomenologia) ou psicodinâmica (como a psicanálise). Esta é nova clínica onde o médico despreza as “escolas” e longos textos escritos do passado e aplica escalas e algoritmos dos guidelines “baseados em evidências”. Deixa também de se implicar em uma situação relacional com o paciente que possa ser terapêutica (cf. Ramadan 2005).
Não há como não ver uma enorme perda de poder farmacológico nesta psiquiatria, perda associada ao efeito placebo potencial do pharmakon (cf. Serson 2007), resultando em modestos resultados clínicos. Falamos de uma psiquiatria americana pouco crítica, do contexto neoliberal à Reagan-Bush, de uma pendulação da teoria em poucos anos, vinda do exagero das explicações psicológicas superficializantes (a mãe sem holding...mal lido em Winnicott), até o exagero do psiquismo entendido exclusivamente em função de neurotransmissores, da genética e dos circuitos cerebrais interligados, que confunde psicopatologia com listas de sintomas agrupados em transtornos, por vieses estatísticos.
Na última versão do DSM (IV-R, de 2000), deparamo-nos assim com uma tentativa de nosografia sem uma nosologia fundada em uma teoria do psiquismo, com uma fé empirista na “descrição” sem pressupostos ou hipóteses epistemológicas. Do que vale tanto cuidado na validação estatística se as listas de sintomas são de uma subjetividade evidente (como “irritabilidade” ou “gastos excessivos”).
Paralelamente, o conceito dominante de co-morbidade multiplica diagnósticos intencionalmente descritivos, sem a estruturação ou unificação diagnóstica proporcionada por bases teóricas que possam se reconhecer como tal. Vemo-nos assim conduzidos compreensivelmente a uma polifarmácia, um ou mais medicamento por condição co-mórbida ou ainda, para cada sintoma-chave ou circuito neurotransmissor alterado.
Caricatamente, poderíamos chegar a um neo-localizacionismo a partir de exames do cérebro em tempo real; a conseqüência caricata seria este fármaco para a disfunção dopaminérgica da amígdala cerebral e aquele outro para o hipertonicidade noradrenérgica do giro do cíngulo, tudo isto sem qualquer referência à experiência humana do paciente tratado.

Pensando outra clínica
A visão crítica do estilo hegemônico na psiquiatria americana atual é um dos pontos de partida para refletir sobre uma prática clínica que, buscando aumentar a eficácia e segurança dos tratamentos, voltou-se para o entendimento da relação médico – paciente e do vínculo terapêutico que multiplica o efeito apenas farmacológico de um medicamento já bastante eficaz mesmo em condições duplo-cegas, por exemplo, um antidepressivo moderno.
Valorizou-se a idéia segundo a qual é no seio desta relação que se pode intervir terapeuticamente além da farmacoterapia, é ali que se deve inicialmente tentar apreender uma pessoa sofrendo, tomada como paciente em um contrato peculiar, contrato menos jurídico-comercial do que emocional, carregado de reticências e receios, aquele de confiar a alguém uma alma, por assim dizer.
Mais que em cenas outras, aqui se acaba revelando a pessoa que se torna paciente, com seu estilo narcísico e transferencial, com suas defesas psíquicas evidentes ou sutis, fantasias, ganhos secundários, gozos masoquistas, transferências e potencial de atuações mais ou menos atuadas.
Se isto não é entendido e trabalhado pelo psiquiatra (por exemplo, o profissional americano DSM-style descrito acima), temos maus resultados, abandonos, excesso de queixas de efeitos adversos, atuações várias, sobre a medicação, sobre a relação clínica, além de possíveis usos perversos do setting clínico (por ex, para processar cônjuges ou receber seguros).
Neste estilo de clínica hipertrofiam-se compreensivelmente as atuações e tudo pode ser razão ou pré-texto para tais acting outs que devem ser entendidos como sintomas no sentido freudiano. De qualquer modo atuações ocorrem em algum grau em qualquer setting clínico, mesmo atento e acolhedor e estas devem ser utilizadas na terapêutica.
Ao longo do tempo, a mise-em-scène pode inspirar-se em horários, honorários, faltas, estilo de respostas a telefonemas ou e-mails, recibos ou relatórios às empresas do managed care... Dúvidas ou efeitos colaterais estranhos podem coincidir com testes de confiança neuróticos e checagens do feed-back de acolhimento. Até mesmo a leitura das bulas em papel ou do material que se encontrou no Google, se não entendidos e trabalhados pelo psiquiatra, facilmente podem inviabilizar o tratamento proposto.
Aqui defrontamo-nos com dificuldades relacionais, com ansiedades, sintomas e inibições que o DSM não elenca e os artigos indexados não mencionam, dificuldades cuja compreensão e elaboração podem resultar um melhor prognóstico para o paciente, ainda que em um tratamento exclusivamente farmacológico.
Contra tais dificuldades, destacarei a seguir o papel de bússola proporcionado pela psicanálise, desde texto freudiano até as leituras atuais no campo. Acredito que tal saber já centenário não perdeu nada em atualidade para a ars medica de qualquer especialidade; basta estar contato direto com o paciente para se dar conta, como detalharei abaixo.
É a partir desta compreensão do ato médico-psiquiátrico, vivida simultaneamente e em justa medida como encontro humano eu-tu consciente (cf. Buber s/d: 11-20) e transferência psicanalítica de afeto em direção ao médico e a partir deste, é que concebo o ato médico, ao mesmo tempo técnico humano. Este se inicia pelo estabelecimento de eixos diagnósticos multiaxiais (como o faz o DSM).
Considero sobretudo os eixos psiquiátrico (incluindo personalidade), de clínica-geral, psicológico-existencial e sócio-cultural, entre outros, para assim propor um tratamento a esta pessoa singular (incluindo psicoterapia, prescrições e orientações médicas, medidas outras).
Tenho empregado o termo “espectro” ou “cluster” para designar - analogamente ao que se faz em reumatologia com o “cluster” auto-imune e sua resposta a corticóides – quadros clínicos com características em comum e com boa resposta a antidepressivos e psicoterapia (cf. Pereira 2003: 98-102, 212-213).
Aí incluem-se misturas em proporções variadas de (i) graus de síndromes depressivas, da distimia à melancolia grave, (ii) graus de sintomas obsessivo-compulsivos, incluindo “loops” de pensamentos ansiogênicos encontrados também outros componentes do “cluster”, (iii) sintomas fóbicos, (iv) sintomas ansiosos, psíquicos e somáticos, incluindo a (v) ansiedade “pânica”; (vi) dores, desconfortos físicos e queixas somáticas várias como vertigens, diarréias, fadigas crônicas, incontinências g, dispnéias psicogênicas, mialgias, mesmo com poucas queixas ansiosas ou depressivas.
Tais quadros, majoritariamente de graus leve a moderado e assim de abordagem ambulatorial, constituem a casuística predominante com que tenho trabalhado em quase 20 anos de atendimento privado e fundamentam assim a vivência clínica sobre a qual se funda a presente reflexão.
Ao discutir como medicar estes quadros com maior eficácia, considerou-se a potencialização e sinergização do tratamento farmacológico que podem ser obtidos quando se associam medidas psicoterápicas e de orientação de caráter geral, ao longo de um tratamento que, tipicamente, leva vários meses, perfazendo mais de um ano no caso de um episódio de depressão de intensidade moderada.
Tais medidas psicoterápicas e de orientação visam um alcance terapêutico ético, além do quadro clínico presente e da alta: devem idealmente contribuir para a desmedicalização e descronificação destes quadros do espectro ansioso-depressivo, dado seu caráter potencialmente recorrente.
Lembremos que diagnóstico destes quadros ansioso-depressivos é inicialmente sindrômico e que estes são frequentemente re-alimentados, em alças de feed-back (cf. Wiener 1985: 1333-136) por quadros psicossomáticos, uso de substâncias, doenças físicas e que encontram-se com freqüência imbricados com estilos de vida e relações humanas geradoras de ansiedade, bem como a estruturações de personalidade neuróticas, histéricas, fóbicas ou obsessivas.
Feito o diagnóstico diferencial com síndromes ansioso-depressivas secundárias a doenças físicas evidentes ou ao uso de drogas psicoativas sensu latu (mesmo corticóides e beta-bloqueadores) e com outras etiologias mais raras (tumores, doenças neurológicas e endocrinológicas, p. ex.), busco individualizar uma proposição terapêutica combinando, em graus variados: farmacoterapia, psicoterapia e medidas gerais de promoção mutuamente sinérgica da saúde mental e física.
Viso assim associar um tratamento farmacológico (que tende a ser mainstream, convencional, nas doses e tipos de medicamentos) a proposições psicoterápicas e de medidas gerais que a individualização do caso possa comportar.
Acredito assim obter melhores resultados que aqueles relatados nas publicações americanas standard, considerada minha ênfase na psicopedagogia, no contexto de uma relação médico – paciente relevante, em um estilo de medicar de ars medica partilhada, com tempo adequado e com a escuta do paciente, cultivando o aspecto interativo, dialogando com o paciente sobre os porquês e comos dos diagnósticos e das condutas.  
Outros princípios: privilegiar a mono-terapia (uso de um único fármaco) sempre que possível, fugindo do canto da sereia da moda, que acaba por conduzir a associações de medicamentos tratando conjuntos de co-morbidades, sintoma-alvo ou mesmo circuitarias cerebrais supostamente hipo- ou hiperfuncionantes. Só mudar a medicação diante de baixas respostas inequívocas ou efeitos adversos incontornáveis; nunca por pressa terapêutica ou estimativa inflacionada de resultado sub-ótimo.
Além do timing (“técnico”) da titulação (isto é aumento ou diminuição progressiva ) de doses - da ordem de muitos dias ou semanas para antidepressivos, anticonvulsivantes ou neurolépticos - levar em conta o sutil timing psicológico e existencial do paciente e suas tolerâncias diante dos efeitos terapêuticos e adversos do psicofármaco. Isto pode significar, por exemplo, retardar a progressão “técnica” de aumento de dose para o paciente que - assentado em resistências e gozos arraigados - não tolera melhorar tão rápido. Pode ser um aumento miligrama a miligrama para contornar uma resistência ao tratamento justificada por efeitos colaterais incoercíveis.
Desta perspectiva, a titulação de fluoxetina de 2 a 20 miligramas ao dia, isto é, aumentos de duas gotas por semana ao longo de 10 semanas, ou a suspensão de um benzodiazepínico ao longo de 6 meses pode ser justificada, embora vá contra a medicina “baseada em evidências”.
Em suma, devem-se reconhecer – no caso a caso da clínica atenta - os limites da farmacoterapia e o alcance dos recursos terapêuticos psicológicos e complementares e seus respectivos timings. Busca-se assim cultivar, agora em coro com o estilo DSM, um pragmatismo de resultados.
Para bem medicar, além de um conhecimento da psicofarmacologia que necessita constante atualização, considero pertinente ser hoje conservador, não “novidadeiro”, “minimalista”, privilegiar condutas bem testadas, de consenso mundial ao estilo OMS e não o uso pseudo-mais-atualizado dos últimos medicamentos alardeados em artigos distribuídos pelo representante de um laboratório, ainda que publicados no JAMA ou no Archives of General Psychiatry.
Não consigo justificar os excessos de diagnósticos de bipolaridade e hiperatividade em adultos e crianças. Tampouco o uso hiper-liberal de neurolépticos em casos não psicóticos ou dos anticonvulsivantes e psicoestimulantes, para tudo e qualquer queixa. Não sinto isenção ética em um ambiente acadêmico-farmacêutico de um grande congresso. Na
Tampouco na proliferação de estudos com novas indicações para os psicofármacos best-sellers. Se se vive o mundo formatado pelo establishment psiquiátrico, parece haver cada ano um ou dois fármacos fetiche, griffes da hora, logo esquecidos.
Extremo bom senso é assim essencial em tempos de marketing multidimensional feroz (cf. Bolguese 2004), de dissimulados modismos diagnósticos e terapêuticos, de uma (falta de) psicopatologia obscurecida por tendenciosidades ideológicas e políticas, que se dizem reveladoramente “ateóricas” e “científicas”.
Vale aqui lembrar a proposta - formulada pelo homem que editou por 25 anos o British Medical Journal  - de uma moratória na publicação de testes clínicos de medicamentos,  tamanha a promiscuidade entre indústria, pesquisadores, universidades e revistas científicas “sérias” (Smith 2005; veja também Lown 2004, sobre a corrupção na ciência).
Mas desprezando épocas e contingências, o medicar vai sempre além de prescrever friamente uma poção ou pílula. Não devemos esquecer que o pharmakon hipocrático é a palavra do médico associada a uma mera substância físico-química que é potencialmente e ao mesmo tempo inócua, fármaco e veneno, segundo a dose.
Valho-me assim de tradições médicas que a soberba da psiquiatria atual tem desprezado, focada em algoritmos e guidelines diagnósticos e de tratamento. Ainda que uniformizem as pesquisas e normatizem a terapêutica, guidelines não totalizam a melhor clínica possível (cf. Grinberg 2007); podem convir atenuando os custos do managed care e a ansiedade do médico, na medida em que dessubjetivizam o sofrimento do paciente e focam-se, por assim dizer, em baixar a pontuação recebida em uma escala de depressão ou fobia.
Para bem medicar há que se envolver com o paciente; busco fundamentos nas tradições da psicologia médica (a arte da relação médico-paciente e da aliança terapêutica, cf. Zimerman 1992, Eksterman 1992), na psicanálise (p. ex., em sua compreensão dos fenômenos transferenciais, das atuações, gozos e ganhos secundários), na psiquiatria psicodinâmica e fenomenológica (considerando a pessoa em seu mundo psíquico próprio, neurótico ou não, seu Umwelt com horizontes, projetos, perspectivas, seu dasein).
Influenciam-me também um conjunto de enfoques filosóficos ainda mais antigo e heterodoxo, envolvendo desde conceitos gregos tais como pathos, isomoiria, pharmakon, a ars medica enquanto ars rethorica, o encontro eu-tu de M. Buber, até teorias sobre a significação, como as da lógica e do pragmatismo de C. S. Peirce.
Nos tratamentos prescrevo medidas gerais que visam potencializar fármacos e psicoterapia, incluindo diálogos com o paciente sobre saúde geral, mudanças de estilo de vida para mais saudável, atividade física, alimentação adequada, uso do tempo e adequação de biorritmos, uso de café, tabaco, álcool ou outras drogas lícitas ou ilícitas, de medicamentos por vezes inadequados, por vezes levianamente prescritos em contextos sintomáticos (p. ex. antivertiginosos, beta-bloqueadores, benzodiazepínicos).
Concebo junto ao paciente uma balança imaginária, como a da justiça cega alegórica, de peso dos pratos um contra o outro, considerando fatores de estresse (p. ex. estresses evitáveis, excesso de atividades, falta de turn-offs) versus medidas de harmonização (p. ex. hobbies, descansos, yoga, artes marciais, meditação, jardinagem, animais, espiritualidade, atividades físicas e na natureza).
Ao dialogar com o paciente a respeito de medidas gerais, o psiquiatra acaba por vezes atuando como um antigo clínico geral, contemplando o indivíduo como uma totalidade e buscando a adesão do paciente a um tratamento - usualmente demorado e de respostas lentas - explicando e discutindo as prescrições de maneira não autoritária e fazendo retoricamente (convencer para o bem) que o próprio paciente entenda as necessidades terapêuticas e “vista a camisa” do tratamento.
Aproveitam-se estas conversas com o paciente para avaliar o grau de necessidade e possibilidade de uma intervenção psicoterápica específica, em função do quadro clínico e do tempo oportuno (kairós grego). Também para se fazer diagnósticos das singularidades do paciente: capacidades egóicas e cognitivas, nível intelectual e estilo pessoal, disponibilidade e compreensão do tratamento, estrutura e apoio familiar, etc.
Em função das escolhas ou possibilidades do paciente, a psicoterapia possível em dado momento abarca desde intervenções pontuais intra-consulta a uma psicanálise extensa, passando por breves trabalhos focais na vigência do quadro agudo.
Entre as medidas gerais inclui-se pragmaticamente tudo o que a experiência mostra beneficiar os pacientes descritos, além das condutas farmacológicas e/ou psicoterápicas específicas e dos esclarecimentos psicopedagógicos sobre diagnóstico, farmacologia e prognóstico (comparando-se, por exemplo, a situação com e sem tratamento).
O ideal é saber usar a linguagem adequada para conseguir retoricamente – no sentido do convencimento pela lógica - que o paciente refaça por si o raciocínio clínico e decida assim seguir o tratamento como o propõe o médico, nos seus aspectos medicamentosos, psicoterápico e de medidas gerais.
Articulando-se com o tratamento psicoterápico ideal (que nem sempre pode ou quer ser seguido pelo paciente), busca-se assim a compreensão e orientação de um sujeito descompensado pela crise ansioso-depressiva, no estilo de uma psiquiatria humanista hoje pouco em voga. O ideal é um estar-ao-lado do paciente, ser o remédio humano na redução do sofrimento, muito além do poder técnico da medicina. 
Desenha-se nesta clínica alguém singular além do diagnóstico, com suas máscaras, defesas, perdas, temores, projetos existenciais, pautas familiares e de grupos culturais; alguém que teve de buscar ajuda, mesmo ansioso, deprimido e pessimista (ou ainda confuso e desencorajado). Alguém deve ser eticamente conduzido a estabelecer uma aliança terapêutica com o médico e seguir o melhor tratamento possível. 
Mas em que grau deve o psiquiatra ser psicoterapeuta? O que é o além das necessidades da psicologia médica, isto é da boa relação médico-paciente no modelo da clínica geral, visando complementar um tratamento farmacológico já tido como isoladamente eficaz?
As variáveis são muitas. Os pacientes por vezes aceitam apenas um tratamento farmacológico e não querem “fazer terapia”; ou, ao contrário, são “contra remédios”. Há também os que já chegam com a demanda abusiva de medicação para “resolver logo sem pensar muito”. Há os que chegam com uma indicação precisa para psicoterapia e que passam apenas por uma breve anamnese médica.
Em torno destas variáveis configura-se o conceito de melhor tratamento e, portanto, (cf. acima) a necessidade de uma teoria da psique centrada no entendimento da pessoa. Detalho abaixo o percurso que me fez privilegiar a psicanálise como esta teoria.

Por que a psicanálise?

Como expresso por Freud, a psicanálise pode ser entendida em três acepções, como tipo de tratamento para as neuroses, como uma psicologia do inconsciente e como teoria da psique. A psicanálise enquanto teoria da psique é tem sobremaneira instrumentado a minha clínica, enquanto que nas 3 acepções ela tem sido fundamento, em uma multiplicidade de enfoques, de  progressos clínicos, médicos e psiquiátricos.
Penso em nomes que vão de H. Ey e Kaplan-Saddock à escola psicossomática (cf. Mello Fº et alli 1992), passando por Kernberg (casos borderline), Spitz (primeira infância), Pichón-Riviere (instituições, práticas), J. Oury (psicóticos), entre outros.
Acredito que aplicação potencial à medicina de teorias e práticas fundadas na psicanálise é ainda maior, desde que se possa melhorar o diálogo, hoje tenso e de desconfianças mútuas, marcado em ambos os campos pela desunificação de enfoques.
Na minha clínica, emprego o psicanalítica para instrumentar a compreensão, o manejo e o melhor uso possível das inevitáveis transferências envolvidas na relação médico-paciente. Serve também a compreender a pessoa psicológica tornada paciente e, portanto, para melhor medicá-la ou orientá-la em um tratamento.
Prescrevo, porém não aplico tratamentos psicanalíticos. Não obstante, a psicanálise como enfoque auxilia no entendimento da dinâmica dos conflitos manifestos ou que se supõem latentes nos pacientes e na compreensão econômica do psiquismo destes, assim convergindo parcialmente para o objetivo da cura psicanalítica
Além disto, muitos dos meus pacientes estão em ou são indicados para análise ou forma de psicoterapia correlata. Com efeito, as neuroses apresentam sintomas, síndromes e quadros associados que notavelmente se superpõem ao que denominei ‘transtornos ansioso-depressivos’. Estes últimos podem mesmo ser entendidos como agudizações médicas sobre o fundo crônico da neurose, assim como as depressões podem ser entendidas como via final comum ou possível do padecer neurótico. Penso também na relação dos ataques agudos de pânico com componentes obsessivos e histéricos, componentes que uma análise idealmente em curso atualiza e repete a cada sessão, até a alta.
Todavia ao expressar-me em termos psicanalíticos nos meios psiquiátricos hoje hegemônicos (p. ex. congressos de psiquiatria) percebo uma fria acolhida, como fosse atribuição de irrelevância à minha expressão. Inversamente, adentrar como psiquiatra clínico em certos círculos analíticos - no contexto do atual discurso psiquiátrico que aparece nas mídias - é enfrentar olhares iniciais inequivocamente desconfiados.
Infelizmente, tanto lacanianos brandindo matemas e esses barrados, quanto professores de psiquiatria dando entrevistas sobre o conhecimento do cérebro para explicar todo adoecer psíquico parecem-me perfeitamente desconexos da clínica real. Daí falar-se de um “tenso relacionamento” psicanálise/psiquiatria nas conversas do GAPP, grupo de estudos sobre Psicanálise e Psicofármacos do qual participei (cf. Psicomundo.com/foros temáticos).
Reconheço como médico a utilidade de dialogar criticamente a psicanálise no contexto da clínica psiquiátrica atual. Isto é tanto em função dos avanços farmacológicos, neurocientíficos e psicológicos quanto das novas patoplastias e prevalências clínicas trazidas pelas mudanças dos séculos (p. ex. novas adicções, compulsões, distúrbios alimentares, todo um novo sofrer narcisista que os psicanalistas tem compreendido mais que ninguém (cf. Roudinesco 2000, Birman 1998, Rojas & Sternbach 1998).
Tanto quanto a psiquiatria DSM não quer ouvir falar em psicanálise, também a hiper-sofisticação dos termos de certas teorias e práticas de psicanalistas, alguns patologicamente reclusos em suas afiliações e politicagens, conduzem à quase ausência de diálogo, nas academias e nos serviços de saúde, entre psicoterapeutas (sobretudo psicanalistas) e os psiquiatras. Assim, encontro curiosa característica em comum entre psiquiatras DSM e certos analistas mais dogmáticos, em torno da pouca conexão terapêutica com o sofrimento dos pacientes reais.
Não trabalho assim diretamente com a técnica psicanalítica; não tenho divã nem busco criar neuroses transferenciais regressivas, porém encontro mais subsídios para minha clínica psiquiátrica na psicanálise do que em qualquer outra teoria sobre a patologia mental.
Dentre as várias teorias psicológicas e técnicas psicoterapêuticas que tomei contato, fui me inclinando a privilegiar a psicanálise como modelo psicológico para o viver e o adoecer humanos (e não, por exemplo, o comportamentalismo, a psicologia cognitiva anglo-saxônica, o psicodrama ou modelos supostamente ateóricos).
Não por acaso minha técnica psicoterapêutica filia-se à psicanálise na vertente de Malan, Wolberg, Fiorini, Braier (cf, p. ex. Fiorini 1991), aquela psicoterapia que foi-se aperfeiçoando-se em ser mais breve, egóica, focal, menos intensiva e no contexto médico citado, de transferência mantida levemente positiva. Não buscando a problemática edípica mais profunda e mais as derivações atuais dos conflitos do presente, tal técnica tangencia a psicologia do ego, a psicoterapia cognitiva e a ars medica tradicional para pensar os sintomas neuróticos.
No meu viés pessoal, tal técnica psicoterapêutica acaba por permitir a presença de elementos de compreensão humana de raiz não psicanalítica, tais como a fenomenologia de Jaspers ou Binswanger, o encontro ideal eu-tu de M. Buber, o existencialismo do projeto sartreano, o legado dos filósofos estóicos e epicuristas, entre outros.
Mas é a postulação de um inconsciente, de um conceito bio-mental como o de pulsão, da noção de conflitos dinâmicos entre instâncias tais como id, ego e superego é que melhor permite entender meus pacientes ansioso-depressivos, sobrepondo-se a conceitos úteis,  porém limitados como “crenças cognitivas disfuncionais” ou “projeto existencial”.
A psiquiatria hoje hegemônica quase dá exclusividade às psicoterapias cognitivo-comportamentais justificando-se através de sua validação por estudos de curta duração nos moldes da ciência oficial. Embora úteis, sobretudo em contexto da saúde pública (melhor dez sessões estandardizadas que nada), considero-as limitadas, obtendo atenuações sintomáticas sem mudar o quadro de base. Minha escolha é conseguir dar, por outros vieses, mais saúde, autonomia e liberdade dos sintomas ao paciente, buscando mudar assim algo do quadro de base, sem, todavia pretender uma  profunda re-estruturação da personalidade, como idealmente buscada pela psicanálise.  
Parto das antigas filosofias da ação da techné e da ars medica, da ética do benefício ao paciente, de um referencial teórico na psicanálise e de uma prática psicoterápica de base analítica (focal, breve, mais egóica-adaptativa e menos transferencial-regressiva, que acredito melhor adequar-se às necessidades psicoterapêuticas médias do paciente que me procura).
Com estes vieses de escolha, tenho clinicado ao longo dos anos com muitos pacientes tantas vezes coincidem com clientes dos psicanalistas, que por suas transferências apresentam-se como neuróticos, mas que me procuram com queixas polimorfas de sintomas depressivos, ansiedades crônicas ou pânicas, sono e apetites comprometidos, mal-estares e adoeceres físicos associados (que os fizeram vir, por vezes, encaminhados por outros médicos).
Trabalho majoritariamente com este perfil clínico, com estas pessoas freqüentemente “normóticas”, mas com pior saúde e qualidade de vida que a média, que acabaria por receber diagnósticos padrão da psiquiatria atual e que certamente, em casos indicados, beneficia-se global e inequivocamente do uso de medicamentos antidepressivos.
À parte uma parcela de pacientes que já me busca para uma psicoterapia como a um psicólogo - terapeuta e uma parcela bem menor de pacientes psiquiátricos basicamente “não-neuróticos” (psicóticos, demenciados, bipolares, epiléticos, farmacodependentes, etc.), esta é a clínica que assim me aproxima dos psicanalistas, graças à intersecção  dos quadros clínicos.
Todavia minha real proximidade com a psicanálise deriva da posição sui generis que lhe atribuo na compreensão e intervenção sobre o que é humano, da posição centrada nos conceitos de inconsciente, corpo erógeno, ser na linguagem e, enfatizaria com os existencialistas, ser para a morte.
Afinal não consigo não levar em conta, a cada atendimento, conceitos tais como a formação do sonho/sintoma, o ideal do eu, a economia do amor narcísico, o gozo da doença, as questões edípicas na história de cada um. Elementos provenientes das terapias existenciais, cognitivas, gestálticas, de filosofias humanistas são fontes teórico-clínicas que também acabam sendo lembrados, elementos secundários participando de séries complementares (multiplicativas, não mutuamente excludentes) das controversas etiopatogenias ansioso-depressivas.
“Séries complementares” e continuum: o homem de ciência e epistemólogo Freud adota e inova estes conceitos chave para uma psicopatologia onde nature e nurtrure, em quantas dimensões que se queira, complementam-se; o gênio de Freud não se opõe assim ao de Darwin na gênese do padecer psíquico.
Já na ars terapêutica a relação entre farmacoterapia e psicoterapia é mais complexa, embora enquanto séries complementares em continua tais tratamentos não excludentes podem inclusive ser sinérgicos, mais que apenas somatórios. Este é um dos temas dos textos que se seguem, marcados pela minha perplexidade diante dos rumos e impasses da clínica psi contemporânea.

De Freud ao Prozac

A Medicina deu as costas para Freud desde que este se fez psicanalista, trazendo a perigosa sexualidade para o campo das doenças ditas nervosas. Talvez identificado com o conquistador Aníbal e ao judeu que não se abaixaria para pegar seu chapéu na lama, Freud por sua vez foi dando as costas ao mundo Ärztlich, médico-sapiente. De todo o modo, a Psicanálise, inicialmente concebida por médicos, foi se fazendo leiga e seus praticantes cada vez menos pertenciam às doutas sociedades médicas, cada vez menos pensavam clinicamente como médicos.
Para o jovem psicanalista Freud, pouco havia a estudar da medicina de sua época. De um lado, a terapia psicanalítica das neuroses era pouco afim ao bem-pensar neuropsiquiátrico, ainda contaminado pelo conceito de degenerescência, pelos tratamentos morais e pela sífilis incurável. De outro lado, os tratamentos propostos em 1900 pouco beneficiavam os neuróticos de então; eletroterapias, curas termais, discursos bem-intencionados e mesmo a hipnose mostravam resultados decepcionantes e erráticos.
Os medicamentos de então eram calmantes ou excitantes rudimentares do ponto de vista terapêutico moderno. As adicções e estilos de vida atuais mal começavam, como soube Freud em primeira mão com a cocaína e... à loucura, bem, à grande loucura restavam os asilos.
Cem anos se passaram e os medicamentos, de Freud ao Prozac, tornaram-se a base dos tratamentos psiquiátricos. Dos antigos láudano, hidrato de cloral, gás hilariante, morfina e afins, ao atual arsenal de antidepressivos, neurolépticos e estabilizadores do humor produziu-se uma reviravolta na medicina.
Teorias à parte, podemos enfim atuar com real eficácia sobre quase todas as psicoses, crises de ansiedade, comportamentos compulsivos, bipolaridades do humor. Chega-se mesmo agora pretender, ou “sem-querer”, tratar pautas sintomáticas histéricas (como poderíamos entender a “hipersensibilidade à rejeição”, cf. Kramer 1993:105-114).
Infelizmente para Freud, das experiências com a cocaína em 1884 até sua morte em Londres em 1939, com uma dose de morfina dada pelo Dr. Schur, nada foi vivido desta revolução na eficácia dos psicofármacos modernos, iniciada nos anos 50-60. Poucos anos antes, no Esboço de Psicanálise Freud mostrava-se favorável até a substituir o longo e caro tratamento psicanalítico por “substâncias químicas”, caso surgissem (Freud 1940: 210), assim como aceitava, desde 1918, “adaptar nossa técnica às novas condições” (Freud 1918: 210), adequando-a a demanda social por tratamentos (p. ex. psicoterapias breves de base analítica). Citações chavão, mas idéias familiares a um médico.
Vivesse hoje, creio que Freud endossaria a convivência e o diálogo da sua técnica com tratamentos médico-psicoterápicos atuais, só talvez só insistisse em não chamar os últimos de “psicanálise”, ainda que se inspirassem nesta. Mas como entenderia ele a recusa ao inconsciente entre os psiquiatras do séc. XXI, incensando “neuroquímicos” e prescrevendo psicoterapias protocolares, “provadas” em números questionáveis?

Ansiedade tratada com  antidepressivo? Pacientes em análise tomando antidepressivos?

Lançados nos anos 60 como “definitivos” pela indústria farmacêutica, para substituir os então “perigosos” barbitúricos, os ansiolíticos benzodiazepínicos do tipo Valium e Lexotan apenas atenuavam ou “abafavam” sintomas ansiosos, sedando mais ou menos o paciente sem alterar a vivência das representações e repetições neuróticas.
Pertencendo à primeira geração de antidepressivos, os tricíclicos - cujo protótipo é a imipramina (Tofranil) - demonstraram modificar sintomas até então associados às neuroses, resultando por fim na distinção farmacológica entre “pânico” e a ansiedade pouco responsiva à imipramina (D. Klein 1980; cf. Pereira 2003: 212-213).
Grosso modo, a imipramina abortava completamente as crises de ansiedade fásica, “pânica”, distinguindo-a farmacologicamente da ansiedade de base, tônica e crônica, cujos sintomas eram apenas atenuados pelos benzodiazepínicos.
Tais experiências acabariam por determinar novo viés à psiquiatria que passa, de maneira inédita, a fundar categorias nosográficas sobre responsividades medicamentosas (cf. Coser 2003: 43, 59).
Apesar de pertinentes críticas (cf. Pereira 2003), temendo uma desqualificação da psicopatologia e arriscadas hipóteses etiopatogências, a responsividade a antidepressivos não é achado fortuito ou tendenciosidade a priori. A meu ver, categorias nosográficas podem efetivamente se fundar em responsividades à medicação.
Afinal, categorias tais não se chocam com a tradição do pensamento médico a medida em que se entende tradicionalmente que o tratamento deriva ou decorre do diagnóstico, desde que em benefício do paciente. Afinal, é o paciente que se beneficia do tratamento fundado numa distinção diagnóstica (definidora da categoria empírica) que considere em justa medida a terapêutica disponível. “Erre o diagnóstico, acerte o tratamento” é o pragmático aforismo clínico, sempre atual.
Nada disto impede, como argumentam entre outros Pereira 2003, Coser 2003 e Ramadan 2005, que tais categorias sejam problemáticas e insiram–se em contexto ideológico complexo, desembocando na “medicina baseada em evidências” no care management e no que poderíamos por brevidade chamar de psiquiatria DSM, desumanizada e atrelada a interesses econômicos.
Mas voltemos à clínica cotidiana dos anos 1960 a 80; os tricíclicos e seus contemporâneos IMAO mostravam efeitos colaterais e de superdosagem potencialmente perigosos (p. ex. arritmias cardíacas, crises hipo- ou hipertensivas fatais) e/ou perturbadores  (p. ex. tonturas severas, visão borrada). Seu emprego clínico ficava assim limitado a situações mais graves, mais próximas à melancolia clássica e às depressões psicóticas, freqüentemente em contexto hospitalar.
Com efeito, as relações risco/benefício e custo/benefício ao paciente, pedras de toque da clínica ética, desaconselhavam o uso dos antidepressivos de então em boa parte das depressões mais leves, mais caracteriológicas ou tidas como “neuróticas” ou “reativas”. Dizia-se mesmo à época, um tanto dogmaticamente, que só as depressões ditas “endógenas” respondiam bem aos antidepressivos. A conduta prudente diante de sintomas neuróticos (termo que fazia coincidir as descrições psiquiátricas e psicanalíticas de então) era assim basicamente psicoterápica.
Note-se de passagem que as próprias sub-categorias “endógena” e “reativa” derivavam de uma psicopatologia fenomenológica, inspirada em Jaspers e em outros autores contemporâneos de Freud, na qual o grau de compreensão psicológica e humana (“reativa”) e o desconhecimento etiológico (“endógena”) ocupavam o lugar, também problemático, dos atuais critérios de responsividade medicamentosa e/ou o grupamento de “n” sintomas necessários e suficientes para um diagnóstico do tipo DSM.   
Portanto às depressões não-endógenas, com certo grau de correlação com eventos psicológicos e existenciais, indicava-se tratamento psicoterápico, por exemplo psicanalítico, até porque havia uma considerável superposição e co-morbidade entre sintomas ansiosos e depressivos e sintomas ainda chamados então de “neuróticos” (cf. Coser 2003:86-92).
As então chamadas “crises existenciais”, bem como sintomas obsessivos, fobias, crises de ansiedade e mesmo o que hoje a psiquiatria chama de “distimia”, não eram usualmente tratados com antidepressivos, ainda que a potência terapêutica dos antidepressivos mais antigos (p. ex. Anafranil) nestes casos não difira tanto dos novos medicamentos (como Zoloft), diferindo sobretudo o perfil de efeitos adversos e riscos.
Seja como for, com o surgimento da fluoxetina (Prozac) e da já vasta família de antidepressivos com reduzidos efeitos colaterais com relação aos tricíclicos e os IMAO, frise-se, há apenas 15-25 anos, iniciou-se o tratamento medicamentoso massivo de quadros ansiosos e depressivos, cujo balanço risco-custo / benefício antes não o indicaria rotineiramente.
Com esta massificação de uso crônico em pacientes menos comprometidos (ou apenas neuróticos) observou-se porém uma inesperada mudança quantitativa e qualitativa de pautas neuróticas e psicossomáticas associadas à ansiedade, depressões, fobias e obsessões.
A extensão desta mudança clínica em neuróticos assim medicados é debatida em Ouvindo o Prozac, de Peter Kramer (Kramer 1995), livro no limite nebuloso entre simulacro científico, descrição empírica romanceada e loa publicitária. Os contrapontos deste livro são, por exemplo, as associações e “sites” também tão americanos dos “lesados pelo Prozac” e livros como Break your prescribed addiction: a guide to coming off tranquilizers, antidepressants (SSRI, MAOI and more) with aminoacids and nutrient therapy (Sahley & Birkner, 2004).
Mas por controversa e polarizada que seja questão, para os psicanalistas já não é mais possível entender o arsenal terapêutico atual – ou seu uso atual - como algo meramente sintomático, paliativo ou calmante. De modo inédito a medicina, influenciada pela milionária indústria farmacêutica e pelo pathos moderno (ou pós-moderno) ocupa-se hoje de sintomas neuróticos que ocupavam e ocupam-se os psicanalistas. Assim, os que hoje ainda escutam algo ao pé de seus divãs não têm mais como não ouvir falar de psiquiatria e neurotransmissores, trazidos por nomes de produtos tão polissêmicos e convidativos como Effexor, Prolift, Psiquial ou Wellbutrin.
A Psiquiatria que já havia sido “fenomenológica” nas psicoses como “dinâmica” e próxima da psicanálise na questão das neuroses, falamos de anos 50 ou 60, hoje é hegemonicamente biológica e atesta, estatística e triunfalmente, a notável melhora de “checklists” de sintomas antes chamados de neuróticos através de medicamentos e psicoterapias cognitivo-comportamentais (estas a combater comportamentos desadaptados).
Mais ainda, tal psiquiatria não apenas rejeita explicitamente a psicanálise como instrumento terapêutico, mas também aposenta, como velharias sem comprovação, conceitos como inconsciente, neurose, histeria, metapsicologia.
Médicos mais “humanistas” e psicanalistas podem ficar chocados, mas para a medicina atual como um todo, tecnificada, reificada e integrante de sistemas de atendimento gerenciais, a psiquiatria DSM estaria enfim madura. Seria um ramo da medicina científica ocidental, liberta de elucubrações teóricas indemonstráveis e de tratamentos assistemáticos de casos individuais, liberta, por exemplo, da psicanálise.
A desvalorização da psicopatologia e da tradição, a fetichização do medicamento agindo sobre circuitos neuronais e a passagem problemática da responsividade clínica a hipóteses etiopatogênicas não impedem, todavia, um ganho de perspectiva terapêutica na psiquiatria atual. Tome-se por exemplo a seguinte frase, pinçada da crítica de F. Coser ao estilo hoje dominante de psiquiatria clínica e teórica: “o fato de uma determinada síndrome clínica melhorar com o uso de drogas atualmente rotuladas antidepressivas não revela que sua natureza seja da ordem que psicopatologicamente se define como depressão” (Coser 2003: 65).
Sem perder seu “valor de face” tal frase pode também ter invertido seu teor de crítica e justificar-se na ética médica, graças à favorável relação custo-benefício do recorte nosológico / medicamentoso operado pelos antidepressivos sobre  o que tenho chamado de “espectro ansioso-depressivo”.
TOC, fobias, pânico, ansiedade, transtornos somatoformes. Identifique-os com critérios operacionais claros. A metáfora seria aqui, erre (ou ponha entre parênteses) a psicopatologia, acerte o medicamento (com base no perfil de efeitos terapêuticos, colaterais, adversos e risco). Mas o exagero da clínica psiquiátrica atual tem sido “faça um rápido diagnóstico multiaxial operacional em torno de uma síndrome ansioso-depressiva e de suas co-morbidades, sem se deter em singularidades pessoais e privilegiando o tempo escasso das consultas para escolher e monitorar tratamentos medicamentosos, um a cada co-morbidade”.
Tudo muito adequado, inclusive a um sistema de saúde e de doença, inclusive se a idéia de saúde pública ou privada for “com poucos recursos, melhor um tratamento farmacológico rudimentar para muitos do que um atendimento mais integral para poucos”.
Ainda assim, o exagero tecnicista dos atendimentos reais, mesmo em países ricos, faz com que falte à consulta apenas o mais importante: uma pessoa singular tornada paciente. Tudo muito adequado, mas o paciente não encontra acolhimento, mudança de perspectiva em seu sofrimento, não “melhora” a longo prazo. Após um ano o paciente pode não mais preencher critérios DSM para depressão, mas vive depressivamente, medicado ou não.
Afinal os estudos da indústria farmacêutica que vão dominando as publicações “técnicas” indexadas garantem os resultados por 6 ou 24 semanas e a clínica mimética a este espírito não comporta um encontro humano que deveria fazer parte de um tratamento exitoso. Indústria e clínica sem sujeitos pouco mobilizam mudanças em pessoas, menos ainda implicam um sujeito em seus desejos e escolhas. 
Daí minha reconvocação dos “ultrapassados” fenomenologistas, psicanalistas, existencialistas, filósofos não positivistas, daí a atualidade dos críticos da “sociedade depressiva” (Roudinesco 2000: 13-52), da “troca de escolas por escalas” (Ramadan 2005: 175-210), da “razão depressiva” (Coser 2003: 17-26). 
Como conclusão, como conciliar a tradição milenar da medicina, pródiga em recursos “humanos” e quase desprovida de recurso tecnológico com o seu contrário contemporâneo, em um mundo dessacralizado, desinformado e re-mistificado?
Mais especificamente, na clínica psiquiátrica, buscar a arte médica ao usar os medicamentos modernos em torno pharmakon, e almejar, como o faz a psicanálise, um grau adicional de compreensão e intervenção humana que modifique favoravelmente a evolução de um padecer crônico.

Diálogo com Eduardo Braier sobre psicofármacos

Psicoterapia Breve de Orientação Psicanalítica (Braier 1997) é um livro sóbrio que aborda aspectos técnicos da condução de terapias; dialoga com toda uma tradição que remonta a Ferenczi, beneficiando-se da importante vivência institucional-psicoterápica da Argentina dos anos 50 a 80.
Ainda que o livro tenha sido publicado originalmente em 1984, a abordagem de Braier à questão do uso associado de psicofármacos à psicoterapia – brevemente explicitada nas págs. 120-121 - permanece, na minha visão, atual, pertinente e ponderada. Não obstante, a partir dela criticarei argumentos que parecem comuns a muitos autores de “orientação psicanalítica”, como a ênfase sobre o caráter de ”alívio sintomático” do uso de psicofármacos, ou o “escamoteamento de conflitos” que estes poderiam provocar.
Na direção oposta, levanto a hipótese de se considerar situações clínicas reais nas quais a medicação enquanto pharmakon, atenuando (p. ex. TOC, ansiedade crônica) ou suprimindo (p. ex. pânico) sintomas ansioso-depressivos, poderia chegar a, com o uso crônico, a modificar pautas e estilos neuróticos. Aqui me aproximo cautelosamente de Kramer do Ouvindo o Prozac (Kramer 1995) e questiono-me também sobre casos nos quais a farmacoterapia traz singular avanço para uma psicoterapia e mesmo para a escuta em um dispositivo psicanalítico. Não excluo aqui os abusos e maus usos da medicação na “vida real” e busco com Braier pensar o uso ético, normativo e informado de psicofármacos.
Um exemplo eloqüente de tratamento integrado é aquele do que hoje se chama “transtorno do pânico”. O antidepressivo que abole a crise de ansiedade deve ser só um passo para uma elaboração psicoterápica incontornável da agorafobia por vezes gravíssima do ex-“panicado”. Em um bom senso básico: nem a psicoterapia abole as crises de pânico, nem o medicamento age diretamente sobre a agorafobia (fantasia representacional de desamparo, cf. Pereira 2003: 66-71); o retardo em associá-los é que favorece a cronificação do quadro.   
Braier reconhece de início a utilidade da “combinação de psicoterapia com psicodrogas”, desde que “se tenham presentes certas precauções”. Lista-se o ”alívio sintomático, melhoria da comunicação permitindo o acesso à psicoterapia de pacientes que de outro modo seriam difíceis de tratar, a facilitação do insight, etc”. Quando indica farmacoterapia ao seu paciente psicoterápico, Braier lhe diz que “a medicação é destinada a tornar possível (ou facilitar) sua comunicação comigo, no caso que esta esteja muito difícil”.
Acredito que poucos discordam do uso de medicação em psicóticos produtivos e deprimidos graves para “tornar a comunicação possível”; seria mesmo insensato contra-indicar a farmacoterapia a este catatônico, àquele delirante aos brados ou ao melancólico em mutismo.
Mas quando se justifica “facilitar” uma terapia ou análise com medicamentos? Medicar um obsessivo comum ou uma histérica não melancólica? Medicar quem faz uso gozoso ou perverso da medicação? Prescrever Rivotril para o cheirador de cocaína dormir? Para esposa “apagar” e se esquivar do marido? Nestas questões temos um excelente ponto de partida para questionar o critério da indicação da farmacoterapia sensu latu.
Quando medica seu paciente em psicoterapia breve, Braier ressalta o caráter paliativo, de alívio sintomático contra o qual se deve “insistir junto ao paciente que ele deve aspirar a algo mais, isto é à compreensão e à resolução do conflito por meio da psicoterapia”, até porque, como assinala F. Lessa (Lessa 2001: 103) “Os psicofármacos, de modo geral, não promovem, por si, formas para o trabalho de re-significação e transformação dos motivos subjetivos da angústia”. Como sublinhado por S. Hassan (2005: 10) “descartam-se efeitos sobre algum nível de conflito ou estruturas de linguagem”.
Podemos dizer que o fármaco, com suas presumidas ações em cascata sobre os neurotransmissores, mesmo em longo prazo não modifica estruturas neuróticas, não age sobre conflitos, sobre sintomas na acepção psicanalítica enquanto soluções de compromisso (como na formação do sonho), enfim não age suprimindo ou alterando representações. Sua ação se dá basicamente na tendência à normalização somática: do sono, dos apetites alterados, das sensações dolorosas, da angústia ou ansiedade de base (“não representacional”), dos efeitos de repetições não transferenciais ou “loops” de pensamentos obsessivamente angustiosos, das escaladas de ansiedade pânica e das hiperativações dos medos. A pessoa pensa e sente como antes, porém angustia-se ou foca-se menos na taquicardia (que já é menos intensa) e na negatividade do vivido, sente igual mas está “menos aí”.
Não conseguimos ainda distinguir com clareza o que são causas, conseqüências, efeitos diretos ou indiretos dos antidepressivos sobre a hipercomplexa modulação de neurotransmissores e neurohormônios. Clinicamente, o que importa é observar a melhora de quadros com componentes do espectro ansioso-depressivo, além de somatizações como a hipertensão arterial, quedas imunitárias, crises de asma, sintomas relatados como “gastrite”, “labirintite”, “TPM”, lombalgias e mialgias.
Mesmo com as melhoras globais obtidas com um tratamento farmacológico, concordo com Braier e com os autores citados acima a respeito da “aspiração a algo mais”, até porque me dou conta, na vivência clínica, do que a medicação não pode fazer, fato que o paciente só saberia em longo prazo. É assim dever do psiquiatra, além de diagnosticar e medicar de acordo, insistir em muitos casos no tratamento psicoterápico e nas orientações de bom senso médico.
Contra a metáfora de Braier da medicação como analgésico para a dor psíquica (dor de dente), só solucionada na raiz pela escavação e obturação da cárie pela psicoterapia (dentista), penso que os medicamentos diferem entre si, agindo em um continuum que vai da analgesia à “cura definitiva”, que depende não só de ações neuroquímicas, mas também do contexto pharmakon, transferencial, simbólico e de contexto de tratamento integral.
Assim a auto-medicação com um ansiolítico como Lexotan é próximo ao alívio sintomático agudo do analgésico de Braier, um antidepressivo usado por vários meses em contexto terapêutico adequado favorece um estado global mais saudável que vai além da melhora de uma soma de sintomas-alvo e avança no continuum mera analgesia / cura ou remissão estável.
Como descrever, por exemplo, a terapia para o resto da vida com lítio, transformando dramaticamente a vida do ex-freqüentador de internações psiquiátricas e de catástrofes vitais periódicas? Pragmatismo médico: pouco importa a causa das graves oscilações do humor ou o mecanismo de ação do lítio, ambos ainda largamente desconhecidos, importa que o lítio trata; neste e em outros casos a competência do médico consiste apenas em conseguir manter indefinidamente o tratamento.
Controle ou atenuação de um quadro ansioso-depressivo, em casos favoráveis, faz com que o paciente retome seu funcionamento pré-mórbido sem medicação. Nestes casos o medicamento não mudou por si a (pouca) estruturação egóica do deprimido nem curou o neurótico de suas repetições. Mas não se trata apenas de curar a dor de dente com Novalgina ou tomar antiinflamatórios no lugar de tratar a causa da inflamação.
Braier sugere que o próprio terapeuta medique se possível. É quem “conhecendo o paciente melhor que seus colegas, parece ser o mais indicado para poder realizar uma escolha adequada do medicamento, controlar seus efeitos e ir efetuando as modificações que julgar convenientes, sem que se necessite da participação de um terceiro” (Braier 1997: 120).
Acredito que vários esquemas são possíveis quando se decide quem medica. O psicoterapeuta médico pode medicar seguindo a ética ponderação de Braier, principalmente quando se trata de uma terapia não indutora de regressões ou transferências negativas com potencial de atuações. Quando este potencial de atuação do paciente for alto (histerias graves, históricos de atuações medicamentosas ou auto-agressões, perversões, abusos graves de substâncias) deve-se considerar indicar outro profissional.
Assim, sempre que possível sigo Braier e medico meu paciente de terapia, se necessário. Sobretudo nos casos menos graves é mais prático e seguro, por acompanhar bem mais de perto a ação medicamentosa (p. ex. 1 vez por semana e não 1 vez por mês). Em um contexto psicoterápico, cinco a dez minutos a cada duas sessões podem ser suficientes para avaliações médicas e prescrições de exames de controle ou receitas, de preferência no início da sessão.
Por vezes temos que rever avaliações iniciais. Por exemplo, aquele paciente em psicoterapia vai piorando seu mal estar e o psicoterapeuta não médico deve idealmente saber o momento oportuno (o kairós de Hipócrates) para encaminhá-lo à avaliação médica. Já no caso do psicoterapeuta que medica pode ocorrer que a resistência à psicoterapia passe a expressar-se pelo uso excessivo do tempo das sessões em discursos em torno da medicação ou de novos sintomas, colocando-se entre médico e remédio (a paciente repetidamente criava resistências e chamava-me de Dr. Serzone, meu nome de família sendo Serson). Podem também ocorrer sub- ou superdosagens atuadas, acionamentos do terapeuta em supostas emergências médicas e várias situações análogas àquelas magistralmente reportadas por L. Israel em A histérica, o sexo e o médico (Israel 1987).
Em casos assim, que podem por vezes só aparecer ao longo do tratamento, com o estabelecimento de transferências além das aparências sociais, deve-se ponderar o encaminhamento do tratamento farmacológico para um colega médico, idealmente em condição de diálogo clínico comigo, devidamente autorizado pelo paciente. Inversamente, pacientes já cronicamente estabilizados com medicação podem demandar terem os tratamentos farmacológicos monitorados pelo atual psicoterapeuta médico, o que muitas vezes é possível e prático.

 

Sensatos e insensatos a respeito de psicofármacos e psicoterapias

Sensatos são médicos e psicoterapeutas capazes de pensar criticamente a associação entre o uso de psicofármacos e práticas psicoterápicas, agindo com pertinência diante de cada caso clínico em sua singularidade.
Insensatos a meu ver seriam os aprioristas de todas as naturezas. Restringindo-me aos aprioristas psiquiatras e psicanalistas concebo vários tipos de insensatos. Penso inicialmente nos que sustentam posições desinformadas, por exemplo, jovens psiquiatras americanos sem idéia razoável do que seja a psicanálise, nada surpreendente quando a literatura psiquiátrica americana hoje só prescreve as psicoterapias cognitivo-comportamentais - as únicas que seriam “comprovadamente” eficazes.
Para os mestres destes jovens médicos, muitos deles arautos desta psiquiatria DSM extremada, já não se trata mais de mera desinformação: a psicanálise mal vale a menção como um antigo tratamento e de uma teoria não científica, tão pouco relevante para a clínica psiquiátrica quanto os barbitúricos ou a hipnose.
Simetricamente ainda temos os psicanalistas pouco informados, sem qualquer noção da clínica com medicamentos como os que passaram a ser usados só a partir dos anos 1990. Estes se imbricam com dogmáticos e “ortodoxos” que acreditam no perigo de deslocamentos maciços e imprevisíveis de sintomas, em um dopamento a priori do ser desejante do paciente ou pior, em uma interferência que seria sempre prejudicial ao bom desenrolar da neurose de transferência.
Insensatos são os fukuyamas da psiquiatria, que pregam o “fim da história” psicodinâmica, existencial ou do inconsciente, tornados afinal desnecessários pela compreensão dos circuitos cerebrais e pelos tratamentos farmacológicos poderosos. Insensatez menos consciente seria a dos psicanalistas e psicoterapeutas que não podem contemplar o dano narcísico trazida pelo prestígio da cena farmacológica atual.
Mesmo os médicos acabam sendo e tendo pacientes desimplicados enquanto sujeitos, que assim como adolescentes sem limites, mal conseguem manter das exigências de um tratamento médico, sendo também afetados pelo discurso de eficácia rápida das psicoterapias cognitivo-comportamentais e por uma weltangschaung pós-moderna, calcada no marketing hedonista, no cosmético e aparente como medida das coisas, na descartabilidade humana, na superficialidade, na estereotipia e na frivolidade geral (cf. o mal estar pós-moderno em Bauman 1998, Birman 1998). 
Diante do mal estar difuso ou pânico, o público é orientado pela mídia “séria” (VEJA?; Newsweek? Google?) a buscar algo caro e novíssimo vindo de um laboratório, e/ou um protocolo psicoterapêutico de poucas sessões, com questionários e auto-testes antes e depois. Daí certo mal estar narcísico do psicanalista atual. Daí o mal estar pós-moderno que a soberba da psiquiatria americanizada ainda esconde de si mesma. Daí o apelo às pseudo-ciências como a Cientology e ao irracionalismo exuberante dos fetiches pseudo-terapêuticos, florais, cristais, auras, vidas passadas, auto-ajudas, reprogramações neuro-lingüísticas, “curas” sem remédios nem terapias, etc.

O que deve fazer um médico?

Os exageros da psiquiatria DSM dão margem a críticas, pertinentes, a meu ver, sobre a frieza pessoal das consultas, sobre a supermedicação (como após 20 minutos de consulta sair com a prescrição de 4 medicamentos, um para cada sintoma central) sobre a invasividade de diagnósticos tais como hiperatividade em crianças, bipolaridade em pessoas irritáveis, igualmente resultando em tratamentos contínuos com anfetaminas e anticonvulsivantes estabilizadores do humor. Quantos destes tidos como hiperativos ou bipolares não estariam mais bem tratados até sem nenhuma pílula, se fossem apenas bem escutados?   
Todavia os dogmatismos e ortodoxias não existem apenas na psiquiatria DSM ou na medicina em geral. As depressões e demais quadros ansioso-depressivos tem importância particular também quando deixam de receber tratamentos medicamentosos adequados, justificados por dogmatismos e ortodoxias vindas de pacientes e terapeutas.
De naturalistas extremados (“não tomo químicos”) a antigos psicanalistas que não querem “escamotear” sintomas, passando por esotéricos que se pretendem terapeutas e pacientes escaldados por maus tratamentos médicos (deprimidos crônicos tratados com calmantes e/ou sub-doses de antigos tricíclicos), o psiquiatra bem intencionado encontra por vezes dificuldades em medicar.
Dificuldades de primeira grandeza, à medida que medicar é conseguir que um deprimido clássico siga por ao menos 6-12 meses o único tratamento que isoladamente é capaz de mudar radicalmente seu prognóstico (e a perspectiva de vida) imediatos, inclusive alavancando e possibilitando outras medidas terapêuticas (psicoterapia, mudanças de estilo de vida, outros tratamentos médicos, etc.) que em associação, podem mudar o prognóstico a longo prazo.    
Mas não basta ter um arsenal farmacológico mais poderoso. Se a substância química não se torna um pharmakon, sem a arte médica que vem se perdendo na prática clínica atual, não existe a melhora que a modulação dos neurotransmissores promete. Se não há sujeito que se reconhece em seus limites, morte, escolhas e finitudes, ou é um dopar que não dura mais que a paixão do alívio ou o sofrimento faz fundo e logo figura feio. Se não há sujeito...a voz do antigo filósofo tem seus valores invertidos: “tudo o que humano me é estranho”.
O diálogo, o encontro eu - tu de M. Buber, o tempo mínimo para que se dê tal encontro que possa evoluir para uma relação médico – paciente, tudo isto está na contramão do espírito neoliberal das companhias de seguros, visando aumentar a "produtividade" médica e assim seus lucros.
O ato médico, quando planificado por burocratas da saúde, gera protocolos e trajetos sem rostos reais. Seu complemento sine qua non na medicina publicitária são sorrisos, famílias felizes, claras ou étnicas e sempre bem vestidas da AMIL ou Bradesco Saúde. Também o médico, mesmo no exercício liberal, pode tornar-se publicitário em causa própria, como já o fazem alguns cientistas e acadêmicos.
Não que o médico não deva aumentar sua produtividade, criar e seguir criticamente protocolos ou divulgar o seu trabalho, o que está em questão é o lugar primordial do bem-estar do paciente. Tal questão ética fundamental, que define "o que objetiva o médico?" Questão que deve amalgamar-se à metodologia científica e diagnóstica que define "o que investiga o médico?", bem como no conhecimento, p. ex,. farmacológico que norteia suas prescrições; “como e quanto destas drogas?”.
Mas é só ao paciente que é facultado o real poder de seguir (ou em que grau seguir) a prescrição do médico, livre que é para decidir. "O real efeito do tratamento corresponde ao prognóstico?" constitui a última e imprescindível questão, constitui a dimensão ancestral do ato médico, tão esquecida nos dias de hoje, derivada em última análise do encontro humano que acolhe, explica e usa da retórica racional e amorosa nos seus melhores sentidos para convencer a pessoa (que uma vez convencida torna-se "paciente") do acerto do proceder do médico, discutindo-se idealmente ponto a ponto do ato médico e tendo como conseqüência uma evolução clínica favorável.
O melhor efeito do médico se produz quando se instala uma aliança de propósitos, também chamada aliança terapêutica, entre médico e paciente. Assim este segue à risca a prescrição explicada e não só imposta em um receituário, faz os exames que por vezes são desagradáveis e tomam tempo, pondera junto com o médico como agir em face de efeitos adversos, chegando a mudar hábitos de uma vida toda (p. ex., ser excessivamente sedentário ou não se implicar como sujeito em nada).
Tradicionalmente, o trabalho do médico é lançar mão de todo recurso eticamente válido para curar, atenuar ou melhorar sintomas e incapacitações e combater a dor e aflição física e psíquica. Há séculos o tratamento lança mão de tudo que for mais confiável, seguro e ético; pode ser cirúrgico ou clínico, pode ser fisioterápico, pode valer-se de próteses, pode ser também da “alma”, como enfim o é todo bom tratamento médico, ainda que marginalmente.
Assim, o médico torna-se psicoterapeuta para melhor tratar a pessoa que o procura, avaliando e também tratando da ignorância do diagnóstico e da conduta médica dele decorrente, dos receios, fantasias, masoquismos e ganhos secundários das pessoas sofrendo, pessoas que a relação inicial médico-cliente  torna pacientes.
Bom tratamento é aquele que é efetivamente seguido pelo paciente, aquele em que a partir do encontro clínico que passa a ser uma relação médico – paciente, inicie-se uma relação de confiança. Assim o médico possa ser também psicoterapeuta em uma singular transferência positiva, levemente idealizada emanando de um suposto saber, porém em benefício do paciente.
Da parte do médico, empatia humana, respeito, tempo suficiente, retórica entre paternal e autonomista, o suposto saber a serviço de uma aliança terapêutica. Aliança que faz com que a pessoa sofrendo passe a endossar a conduta do médico, seguindo suas prescrições à medida em a retórica do médico muda crenças prévias. A pessoa então se dispõe, de livre vontade e autonomia, a agir de acordo com que o médico estima ser a conduta mais adequada para o caso. Passa seguir as prescrições do tratamento, adequa suas ações (seguir o tratamento) a uma crença nova ou modificada (cf. Peirce CIT) como resultado da retórica do médico. 
Cada consulta de um médico de qualquer especialidade deve ideal e normativamente reviver este processo. A especificidade dos distúrbios psicológico-psiquiátricos requer considerações adicionais. O tratamento atual destes últimos, além de medidas gerais (diagnóstico e tratamento da saúde geral, aspectos de nutrição, atividade física, modificações de estilos de vida, redução de estressores conscientes, etc.) lança mão basicamente de terapêuticas medicamentosas e/ou psicoterápicas. 
Meta-análises estatísticas extensivas convergem e tendem a mostrar que para a maioria dos distúrbios psicológico-psiquiátricos, tratamentos associando medicamentos e psicoterapia são claramente mais eficazes que o tratamento apenas com medicamentos ou com psicoterapia. Este argumento tem sido bastante citado, não obstante as difíceis questões que imediatamente emergem.
(1) Quais farmacoterapias e psicoterapias, com que dispositivos, formas de avaliação, em que tempo?  (2) Quando só indicar um ou outro tratamento, quando (ou melhor, quanto) acrescentar psicoterapia ao tratamento inicial médico, quando o psicoterapeuta (que muitas vezes não é médico) deve pensar em solicitar uma avaliação médica, que conseqüências isto tem para a psicoterapia em curso e para o bem estar do paciente?
São questões que ficam esboçadas no fim deste trabalho. Muito trabalho... Os paciente e a tipicidade de seus quadros clínicos atuais varia enormemente. Os sistemas nosográficos e as psicopatologias são por vezes excludentes e contraditórias. A base biológica do psiquismo é incontestável, mas a subjetividade que de bebês nos faz humanos mais ou menos adultos tem que ser contemplada na terapêutica, bem como a mediação cultural em mutação acelerada. Os medicamentos surgem com apelos e velocidades elevadas. As informações ditas científicas são cada vez mais tendenciosas. As práticas de atendimento de meus pares variam muito mais que em qualquer outra especialidade. Como agir?
“A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugidia, o julgamento difícil. É preciso não somente fazer o que convém, mas ainda fazer com que o doente, os assistentes e as coisas exteriores contribuam para tanto” (Hipócrates 2002: 50).

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