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São Paulo, SP, Brazil
O autor é médico (Faculdade de Medicina da USP, FMUSP), especializado em Psiquiatria (H. das Clínicas da FMUSP), doutor em Filosofia (EHESS, Paris) com pós-doutorado em Ciências Cognitivas (PUC-SP). Clinica em consultório particular desde 1993.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

pharmakon e vínculo

Pharmakon e vínculo; melhorando a farmacoterapia psiquiátrica

Breno Serson (Grupo de Estudos sobre psicanálise e psicofármacos, brenoserson@terra.com.br)



Resumo: A partir do conceito grego de pharmakon, que unifica o uso de uma substância medicamentosa às orientações gerais do tratamento dadas pelo médico, explora-se como melhorar a adesão e os resultados dos tratamentos psicofarmacológicos. Com base em uma retórica derivada da antiga ars medica e a partir das transferências iniciais da relação médico-paciente, busca-se um vínculo com o paciente que propicie uma aliança terapêutica, melhorando assim a eficácia da farmacoterapia psiquiátrica.
Unitermos: pharmakon, vínculo, retórica, transferência, psicofármacos.


Title: pharmakon and binding: improving psychiatric pharmacotherapy
Summary: From Greek’s conception of pharmakon, which unifies the use of a therapeutic substance to general guidelines of a treatment given by the physician, we explore how to improve adherence and outcomes of psychopharmacological treatments. Based on the ancient ars medica rhetoric and departing from initial transference phenomena within the physician-patient relationship, we seek a binding with the patient, allowing a therapeutic alliance and thus improving the effectiveness of psychiatric pharmacotherapy.
Key words: pharmakon, binding, rhetoric, transference, psycopharmacotherapy.

Título: pharmakon y vínculo: mejorando la eficácia de la farmacoterapia psiquiátrica
Resumen: A partir del concepto griego de pharmakon, que unifica el uso de una substancia medicamentosa a las orientaciones del tratamiento dadas por el médico, se explora como mejorar la adhesión y los resultados de los tratamientos. En base a uma retórica derivada de la antigua ars medica y a partir de las transferencias iniciales de la relación médico-paciente se busca um vínculo con el paciente que propicie uma alianza terapéutica, mejorando la eficácia de la farmacoterapia psiquiátrica.
Unitermos: pharmakon, vínculo, transferência, psicofármacos.


“Sócrates: A medicina tem, de certo modo, o mesmo caráter da retórica.
Fedro: Como?
Sócrates: Em ambas é necessário analisar uma natureza (physis): a do corpo em uma, a da alma na outra, não somente como uma rotina e a uma prática, mas como uma técnica (téckné), para ministrar ao corpo remédios e alimentos e produzir assim, nele, saúde e força; e para a alma, raciocínios (lógoi) e ocupações justas para lhe transmitir a convicção que queiras e a virtude que é desejável”. Fedro (Platão 2005: 257).



Uma acepção de pharmakon
No enorme legado da medicina hipocrática encontramos o conceito de pharmakon, citado por Platão no Fedro e retomado, em múltiplas acepções em Derrida (Derrida 2005: 72; veja também Coura 2002). No presente texto, pharmakon é uma substância, vegetal, animal ou mineral que uma vez ingerida ou aplicada sobre uma pessoa - e indissociada da palavra do médico que a prescreve - tem um de três efeitos segundo a dose: (i) é inócua; (ii) age como um medicamento; (iii) age como um veneno.
Nesta acepção médica, nem a cicuta que mata Sócrates, nem a planta ou areia sem ação terapêutica, aplicadas pelo charlatão, são pharmakon.
Nenhuma substância medicamentosa é o melhor pharmakon possível sem o vínculo de confiança entre médico e paciente, sem a suave e paciente retórica que convence o paciente da pertinência (ou inevitabilidade, na falta de melhor) de usar certa substância no alívio ou cura do que o aflige, ou o que o afligirá certamente se não tratado (ex: hipertensão arterial assintomática).
Não temos um bom pharmakon sem as palavras de orientação sobre dosagens, tempo de uso, efeitos colaterais, expectativas e riscos do tratamento e, sobretudo, sem que o paciente valide e qualifique o diagnóstico e a conduta do médico.
Tais palavras sobre posologia e efeitos esperados dos medicamentos são, todavia, apenas partes da “palavra afetiva empenhada” que pode definir o pharmakon. O diálogo do médico com a pessoa que se torna paciente já é o início da prescrição do medicamento. Assim, o produto comercial hoje comprado em uma drogaria pode chegar a ser pharmakon quando associado à palavra e à relação emocional com o médico.
O pharmakon só existe plenamente quando o paciente usa a medicação (e também a dieta, ginástica ou cirurgia) do modo que o médico acredita ser a melhor, convencendo através da melhor retórica o paciente a agir terapeuticamente em próprio favor e dos seus.
Para isto o médico percorre junto ao paciente o clássico ciclo da consulta: investiga sintomas e sinais do paciente, configura síndromes, formula uma hipótese diagnóstica e assim um prognóstico, propondo enfim um tratamento, do qual pode fazer parte a substância medicamentosa.
Na medida do possível, o médico deve partilhar com o paciente o raciocínio clínico envolvido no ciclo da consulta, bem como a conclusão deste raciocínio (lógos), isto é, o diagnóstico e tratamento propostos. No contexto de uma relação humana benevolente, o paciente se convence a tomar o pharmakon na posologia adequada, dispõe-se a monitorar junto ao médico os efeitos terapêuticos e colaterais, retorna às consultas e... melhora.

Um pouco de Filosofia na clínica
Acredito em um pragmatismo médico enquanto soma das conseqüências benéficas sobre o paciente, provocadas pela ars rethorica do médico. Clinicar ganha assim a influência da leitura que faço de C. S. Peirce, que por sua vez relê os filósofos medievais e o espírito aristotélico da primeira ciência.
Considero o belief peirceano ponto de partida para atitude do paciente na adesão ao tratamento, já que este é constituído pelas “...conseqüências práticas pensáveis como resultante necessariamente da verdade da concepção” (Peirce 1980: 7). Se meu belief é que a concepção “pôr a mão no fogo” danifica o corpo e dói muito, entre outras conseqüências...
A rethorica, como Peirce chama a parte mais complexa de sua Lógica, passa a ser parte do pharmakon aplicado pelo médico, a serviço do compromisso ético com o bem-estar do paciente (cf. o que diz Sócrates na epígrafe).
Tal é a teckné do encontro eu-tu, lógico e afetivo, instrumentando a prática da clínica cotidiana.
Almeja-se o melhor tratamento possível, partilhando o raciocínio clínico com o paciente, em suas premissas e conclusões, adaptando-as ao universo cultural de cada um, e assim fazendo o paciente entender os prós e contras de cada fase ou medida do tratamento. O tom afetivo e beneficente ao paciente é o que funda a aliança terapêutica em um vínculo e que garante a adesão ao tratamento, por mais sofrido que seja o padecer e mais amargo que seja o remédio.
Como o médico no Platão das Leis, almeja-se “...instruir o paciente... sem nada prescrever-lhe até que tenha conseguido convencê-lo da necessidade disto; e então, ajudado pela persuasão, tranqüiliza e prepara continuamente o seu doente, até conseguir levá-lo pouco a pouco à saúde”. (Platão, apud Coura 2001: 72).

Pharmakon e clínica psiquiátrica atual
Pela primeira vez na história dispomos de medicamento que alteram dramaticamente o curso clínico natural de depressões uni- ou bipolares (por exemplo o lítio e a fluoxetina, introduzidos em 1949 e em 1988, respectivamente), mudando potencialmente a vida dos pacientes antes condenados a recorrências e cronificações.
Mais de 2500 anos depois da escola hipocrática, o psiquiatra que hoje prescreve fluoxetina, lítio (ou o último lançamento em “estabilizador do humor”...) se defronta na plenitude com a questão do pharmakon. Na nova era do medicamento psiquiátrico eficiente, a diferença entre a melhor melhora possível, o resultado pífio ou a piora (por não tratar adequadamente) subordina-se significativamente ao efeito pharmakon que o médico possa proporcionar ao medicamento.
Isto é particularmente importante no tratamento de quadros ansiosos e depressivos - como TOC, fobias, ansiedade tônica (TAG) ou fásica (pânico) e de depressões de vários matizes, que compõem a maior casuística da minha prática clínica nos últimos quase 15 anos.
Tratar tais quadros supõe adesão a um tratamento farmacológico longo (da escala de meses ou anos), lidando com incertezas nas respostas terapêuticas, com efeitos colaterais, com situações de crises psicológicas, com necessidades de aumentos e diminuições de doses; tudo isto, idealmente, deve ser pesado por médico e paciente na aliança terapêutica.
O tratamento dos quadros ansiosos e depressivos compreende também medidas gerais multidisciplinares e não farmacológicas (psicoterapia, mudanças de estilo de vida, etc.), medidas que garantem melhores prognósticos em longo prazo que o tratamento somente farmacológico.
Mesmo com uma boa resposta inicial, como é o caso dos antidepressivos modernos, o curso clínico flutua e as remissões não são estáveis. Sabemos o quanto a adesão ao tratamento vai ficando problemática ao longo da melhora clínica e sobretudo na profilaxia de novos episódios (quantos bipolares não vemos entrar em crise por interromperem a medicação de anos).
O clínico, sempre pensando no longo prazo, busca ainda assim completar bem os ciclos do tratamento (introdução, titulação de doses, manutenção, retirada), ao mesmo tempo em que orienta o paciente na identificação precoce de futuras e possíveis recorrências.
Há ainda que diagnosticar e corrigir outras condições médicas por vezes simples (p. ex. em geriatria checar aparelhos auditivos, dentaduras e óculos), nutricionais, regimes de sono, trabalho e sedentarismo, consumo não comunicado de medicamentos e drogas (p. ex. analgésicos, álcool, relaxantes musculares, vasoconstritores nasais).
Enfim, há que lidar com emoções, sentimentos, fantasias, expectativas, com a condição existencial e humana, especificidades da psiquiatria que fazem o conceito de pharmakon tão significativo quanto o moderno arsenal de substâncias terapêuticas.
Como já entendia a medicina hipocrática, “A acção curativa dependerá de um triplo “que”, que doença, que doente, que remédio” (Carvalho 2004: 58).


Do pharmakon ao vínculo
Não é difícil a passagem da “palavra do médico” grega à relação médico-paciente tal como é hoje entendida. A substância farmacológica ou cirúrgica era até 50 ou 100 anos atrás tão rudimentar que a Medicina devia muitíssimo às palavras do médico antigo, humanistas, vocacionadas, retóricas no bem do paciente, quase sagradas (numinosas, cf. Calderoni 2002) sendo ainda assim profanas (no sentido de não mais religiosas nem mágicas).
Pois hoje dispomos de pouco tempo ou ambiente para estas palavras lapidadas pelos antigos, ainda que entendidas modernamente, por exemplo, como o “estilo das relações vinculares” ou como “transferência na relação médico-paciente” (cf. Zimerman 1992: 66-68 e outros autores da psicologia médica e psicossomática de base psicanalítica).
Na prática clínica real, nos nossos consultórios, hospitais e ambulatórios de psiquiatria, há pouquíssimo pharmakon. Há que lamentar o enorme retrocesso nas relações médico-paciente: contra a tékhné iatrós ou ars medica milenar, o que são os 20 ou 30 anos dos psicotrópicos modernos, do Saúde–Bradesco, SUS, ou qualquer managed care, da fria e presunçosa psiquiatria estilo DSM, com suas escalas e polifarmácia, com seu braço psicológico neo-comportamental?
Através da medicina psicossomática (cf. Eksterman 1992), mesmo a já centenária psicanálise contemplou as dinâmicas inconscientes do médico e do paciente na relação terapêutica que constitui o pharmakon. O jovem Freud, enquanto médico das histéricas que a medicina vienense não conseguia ministrar o pharmakon convencional, vê-se obrigado a contemplar a transferência que tanto intimidou Breuer.
Além da racionalidade bem intencionada da ars rethorica do médico, há assim todo o jogo especular dos inconscientes - transferências e contra transferências - que a psicanálise revelou (cf. Viderman 1990: 239-295). Embora não discutido neste artigo, tal jogo não tem como ser erradicado ou condenado à irrelevância, por exemplo, por não se mensurar pelo metro supremo atribuído ao estatístico e meta-analítico das publicações nos journals, como faz a psiquiatria DSM hegemônica.
Todos perdem em deixar para um segundo plano a relação médico-paciente, o vínculo baseado na compreensão humana e psicológica do paciente por parte do médico. Em torno de tal vínculo, fazendo o melhor uso das transferências inevitáveis, deve idealmente configurar-se a aliança terapêutica, potencializando a eficácia farmacológica da psiquiatria atual.
Acredito que o psiquiatra clínico, desde que disponha de condições mínimas e trabalho, deve integrar o tratamento farmacológico ao pharmakon em mais de um sentido.
Trata-se por exemplo de conseguir encaminhar o paciente a uma psicoterapia que é frequentemente indicada, além de se prescrever uma série de medidas gerais individualizadas a serem adotadas pelo paciente, em prol da descronificação e da desmedicalização possível, tais como mudanças de regimes de vida, atividades físicas, outros cuidados médicos, etc..
Busca-se fazer, p. ex., o ex-ansioso(a) tomando cronicamente muito café, calmantes “tarja preta” e remédios para gastrite e passando com freqüência pelo Pronto-Socorro, tratar-se com um bom medicamento para ansiedade por um ou dois anos e ter alta médica, cuidando-se com psicoterapia, yoga, tendo mudado o padrão de consumo de substâncias, mudado a vida relacional e/ou do trabalho.
Sabemos o quanto isto é difícil na prática: hábitos arraigados, transferências negativas e dependências muito ativas, gozos lacanianos na doença, ganhos secundários, um entorno sócio-cultural (alienção, consumo...) que pode ser descrito como perverso; tudo isto nos dificulta. Ainda assim devemos tentar prescrever psicoterapia e regimes de vida harmonizados além do pharmakon.
O conceito de pharmakon pode assim ser ampliado à palavra do médico no tratamento como um todo. Dado o caráter recorrente dos quadros ansiosos e depressivos, busca-se ao longo de aproximadamente 10 a 15 consultas em 2 anos, conduzir retoricamente (cf. a epígrafe de Platão acima) uma parte significativa da amostra de pacientes a cuidar-se com psicoterapia e medidas gerais afim de necessitar o mínimo possível o tratar-se farmacológico.
Vínculo torna-se assim a condução terapêutica da transferência, a partir da compreensão dos fenômenos transferenciais iniciais na relação médico-paciente, ou em outras palavras do estilo neurótico, perverso ou psicótico, ou outras nuances que se perceba.
Mantida pelo médico sabiamente positiva e levemente idealizada (como proposto por Fiorini para o papel do psicoterapeuta, cf. Fiorini 1991: 106-114), tal transferência busca assim catalisar o vínculo terapêutico nestas 10-15 consultas/sessões de um curso de tratamento farmacológico típico para quadros ansioso-depressivos.
Eis aí algo da antiga ars medica, conduzindo com seu discurso específico e atualizado do médico - nem o discurso do mestre nem o da universidade em Lacan – a pessoa, não mais paciente, a regimes de vida mais saudáveis, ao restabelecimento ao equilíbrio devido, como queria a medicina grega.
Isto é particularmente difícil nas adicções graves, nas psicoses, junto às personalidades mais psicopáticas, porém bastante recompensador nas doenças ansiosas e depressivas, nas quais as condições transferenciais são em geral mais favoráveis ao vínculo e ao efeito pharmakon.


Referências bibliográficas

Calderoni, M. L. M. B. (2002) As origens da cisão entre medicina e palavra in Pscopatologia: vertentes, diálogos (D. Calderoni, org.). São Paulo: Via Lettera.
Carvalho, C. C. (2004) Do poder das palavras às palavras do poder, Revista Portuguesa de Psicossomática vol. 6, nº1 (55-62).
Coura, R. (2001) A Drugstore de Platão (os psicofármacos) in Psicofarmacologia e a Psicanálise, (M. C. R. Magalhães, org.). São Paulo: Escuta.
Derrida, J. (2005) A farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras.
Eksterman, A. (1992) Psicossomática: o diálogo entre a Psicanálise e a Medicina in Psicossomática Hoje (Julio de Mello Fº, org.). Porto Alegre: Artes Médicas.
Fiorini, H. J. (1991) Teoria e técnica de Psicoterapias. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
Peirce, C. S. (1980) Peirce e Frege (Coleção Os Pensadores) São Paulo: Abril Cultural.
Platão (2005) Fédon. Fedro. Madrid: Alianza (na citação foram cotejadas outras traduções).
Viderman, S. (1990) A construção do espaço analítico. São Paulo: Escuta.
Zimerman, D. E. (1992) A formação psicológica do médico in Psicossomática Hoje (Julio de Mello Fº, org.), Porto Alegre: Artes Médicas.

tripé de tratamento

Tratamento dos quadros ansioso-depressivos: integrando farmacoterapia à psicoterapia e outras medidas

Breno Serson



Resumo: Busca-se mostrar que quadros ansioso-depressivos têm o melhor tratamento possível quando se potencializam mutuamente as seguintes modalidades terapêuticas (1) farmacoterapia, (2) psicoterapia e (3) medidas gerais de promoção e harmonização da saúde física e mental, em proporções adequadas às singularidades de cada caso clínico.
A farmacoterapia é discutida como é usada atualmente (sociomercadologia) e como deveria ser usada (uso ético). A psicoterapia é considerada contrastando-se estilos cognitivo-comportamentais com enfoques psicodinâmicos. As medidas gerais enfatizam a desmedicalização e a prevenção de recorrências, através, por exemplo, de atividade física e redução de estressses evitáveis.
Unitermos: ansiedade, depressão, farmacoterapia, psicoterapia, medidas gerais.


Title: Integrating pharmacotherapy to psychotherapy and general care in the treatment of anxious-depressive disorders.
Summary: We attempt to demonstrate that anxious-depressive disorders get the best possible treatment when pharmacotherapy, psychotherapy and general care measures mutually augment their effects, in individually adapted proportions.
Pharmacotherapy is discussed as it actually used (socio-marketing) and as it should be employed (ethical use). Behavioral-cognitive styles of psychotherapy are contrasted with psychodynamic approaches. General care measures, such as physical exercise and reduction of avoidable stresses, emphasize de-medicalization and prevention of recurrences.
Key words: anxiety, depression, pharmacotherapy, psychotherapy, and general care.

Título: Integracíon de la farmacoterapia a la psicoterapia y otras medidas generales em el tratamiento de disturbios ansioso-depressivos.
Resumen: El objetivo de este trabajo es mostrar que los disturbios ansiosos y depressivos reciben el mejor tratamiento quando potencializamos mutuamente modos terapéuticas farmacoterápicos, psicoterápicas y medidas generales de promocíon de salud física y mental, em proporciones adequadas a las singularidades de cada caso clínico.
La farmacoterapia es considera em su uso actual (sócio-mercadologia) y em su empleo correcto (ético). Estilos cogntivos-comportamentales de psicoterapia son constrastados com enfoques psicodinâmicos. Medidas generales, como actividad física y reduccíon de estresses evitabiles, enfocan des-medicalización y prevención de recurrencias.
Unitermos: ansiedad, depressión, famacoterapia, psicoterapia, medidas generales.


Introdução: o tripé
Ao longo de anos de clínica em psiquiatria, tratando majoritariamente de depressões, fobias, ansiedades mais e menos somatizadas e também pânicas, além de quadros com componentes compulsivos, adictivos e obsessivos, maturei junto aos pacientes um ideal de tratamento constituído por um “tripé” de medidas terapêuticas.
A idéia do tripé é que os quadros clínicos descritos acima - que eu agrupo sob o nome de quadros ansioso-depressivos - têm a melhor tratamento possível quando se apóiam sobre 3 pés ou pilares: (1) médico-farmacológico, (2) psicoterápico e (3) medidas gerais de promoção e harmonização da saúde física e mental.
Nem todos os pacientes necessitam ou dispõe-se a apoiar o tratamento sobre estes três pilares ou vertentes. Por vezes só psicoterapia ou só medicação são prescritas. Na média das consultas pouco se fala sobre “medidas gerais”. Neste artigo busco demonstrar o benefício de apoiar, na medida do possível, o tratamento sobre um tripé de medidas.
Medidas gerais de promoção e harmonização da saúde psicofísica incluem mudanças de estilo de vida não suscitadas por cuidado médico ou psicoterápico no senso estrito. Atividade física - ao menos saída de sedentarismos maciços - deve ser sistematicamente prescrita. Prospectam-se as possibilidades de medidas de harmonização tais como yoga, artes marciais ou meditação.
Correção de biorritmos e ‘biocargas’ excessivas ou faltantes, medidas dietéticas e de repouso/atividade complementam recomendações de mero bom senso médico tradicional (redução de estresses evitáveis, férias, atividades criativas, socialização, revisão do uso de medicamentos e substâncias, etc.). As medidas gerais desempenham um papel complementar ou multiplicador da fármaco- e psicoterapia; podem mesmo agir como medida única nos casos especialmente brandos.
Todavia, seja em função da demanda dos pacientes, do pouco tempo disponível ou da super-especialização dos profissionais envolvidos (p. ex., psicofarmacologista, psicólogo, acupunturista), é comum apoiar o tratamento em apenas um “pilar” ou modalidade terapêutica (p. ex., antidepressivos ou psicoterapia ou acupuntura). Em muitos casos, o tratamento melhora visivelmente com dois apoios (p. ex., medicação e atividade física bem dosada; psicoterapia e acupuntura).
A metáfora do melhor tratamento enquanto tripé de modalidades terapêuticas, em proporções adequadas e/ou possíveis a cada paciente acabou se condensando em um gesto com três dedos na escrivaninha do consultório, fincados um a um. Acredito assim propor aos pacientes o conceito de melhor tratamento possível, nos limites da vida paulistana e do que se pode explanar ou debater em uma ou duas consultas, partindo-se de uma plêiade variável de desinformação e preconceito.
A idéia do tripé justifica-se pela estabilidade do bem-estar assegurado ao paciente em longo prazo, bem como pelo ideal ético da desmedicalização e descronificação possível, isto é, passar a cuidar-se para não ter que tratar-se (minimizando-se reagudizações, recaídas de dependências, crises psicológicas...). Creio que esta concepção preventivista tem grande afinidade com o regime de vida harmonizador proposto pela antiga medicina hipocrática (cf. Jaeger 2003: 1001-1059).
O “pilar” inicial é o cuidado médico. Compreende as consultas médicas, com seu imperativo de estabelecer ou refinar um diagnóstico multiaxial (psiquiátrico, psicológico-existencial, de personalidade, de saúde geral, etc.), de iniciar ou melhorar uma relação médico-paciente (vínculo emocional), capaz de fazer que as orientações do médico se transformem em ações terapêuticas conduzidas pelo paciente (em seu pleno livre-arbítrio e autonomia).
O pilar médico converge para o estabelecimento de uma conduta clínica inicial (exames complementares, encaminhamentos eletivos ou de urgência, medicação, orientações a respeito do que fazer e não fazer, reasseguramentos prognósticos e quanto ao vínculo, orientações à família ou círculo próximo ao paciente, etc.).
Tal pilar médico cria condições para tratar e se possível desmedicalizar o paciente em uma escala de vários meses, fincando-se neste tempo os pilares da psicoterapia (escala de anos) e das medidas gerais. Estas últimas têm freqüentemente proposta de duração indefinida, dado que visam desfavorecer condições de recorrências ansioso-depressivas.

1- Antidepressivos
Quadros ansioso-depressivos, apesar da sua heterogeneidade, tendem responder notavelmente ao tratamento farmacológico com medicamentos ainda hoje chamados “antidepressivos”. A heterogeneidade tratada acaba por criar uma categoria nosográfica, com base na responsividade farmacológica (cf. discussões abaixo e Coser 2003: 43, 59).
Outros medicamentos - neurolépticos, ansiolíticos, estabilizadores do humor – podem ser associados aos antidepressivos quando indicado, cuidando-se para não se cair no exagero de medicar sintomas ao invés de pacientes e buscando uma perspectiva crítica diante de modismos “científicos” em torno do diagnóstico de “transtornos” e co-morbidades (bipolaridades, hiperatividades...) com a banalização do uso de anfetamínicos, neurolépticos e anticonvulsivantes.
O diagnóstico de quadros depressivos e ansiosos cada vez mais se faz presente nos atendimentos psiquiátricos e de clínica geral (recebendo nomes tais como TOC, depressão, “estresse”, pânico, fobias). Par e passo, a prescrição de medicamentos psiquiátricos por psiquiatras e não psiquiatras, sobretudo antidepressivos, como terapêutica por vezes única e acrítica, se generaliza e banaliza a olhos vistos.

Há razões claras: os novos antidepressivos são muito eficazes em diversas condições clínicas envolvendo ansiedade e depressão; suas avaliações de risco-benefício são muito favoráveis, sobretudo do ponto de vista cardiológico e de problemas de dependência e superdosagem.
Os novos antidepressivos são assim em geral seguros e bem tolerados, tendendo a determinar menos efeitos adversos, mesmo em longo prazo, que os medicamentos que se conhecia até os anos 90, como já estabeleceu enorme experiência clínica mundial.
Suas contra-indicações relativas e problemas tem sido recentemente valorizadas, embora sigam propagandeados aos médicos e pacientes por uma indústria bilionária, uma brain pharma florescente e de ética questionável. Como já aconteceu com calmantes dos anos 60, como Lexotan ou Dalmadorm, eles também têm sido propagandeados e receitados crescentemente por não psiquiatras, por vezes com riscos sérios (p. ex. por não avaliarem sistematicamente riscos de suicídio, uso de outras substâncias psicotrópicas e/ou não firmarem diagnóstico psiquiátrico preciso).
Os não especialistas seguem facilmente propagandas como “levante a moral do seu paciente” ou “dose fixa e igual desde o início, fluoxetina X, 1 cp. de 20 mg/dia” e incorrem também em insucessos por imprecisão diagnóstica e má escolha dos fármacos. Ocorrem abandonos do tratamento quando não se monitora o paciente a fim de titular doses ao longo do tempo, com base na variação dos efeitos adversos e terapêuticos. Observam-se frequentemente sub-tratamentos por não se elevar adequadamente doses ou potencializar o antidepressivo inicialmente prescrito, quando necessário.
Mas mesmo nas mãos dos psiquiatras, o antidepressivo prescrito sem escuta, diálogo e conseqüente obtenção do efeito pharmakon (cf. Serson 2007) acaba por resultar em mais insucessos, efeitos colaterais e sub-resultados do que poderíamos supor a priori.
Assim, o perfil risco/benefício, tão favorável aos antidepressivos modernos, não se traduz nas melhoras e evoluções favoráveis que se poderia esperar através do uso destes novos medicamentos na vida real. Isto se verifica sobremaneira:
(i) Quando são o único tratamento prescrito,
(ii) quando o diálogo médico – paciente é reduzido ou quase nulo, mesmo ao longo dos muitos meses de tratamento,
(iii) quando não são gradualmente introduzidos, titulados à dose adequada e retirados, nos tempos certos individualizados e contingentes à vida real dos pacientes, que devem assim ser minimamente ouvidos.
(iv) quando são avaliados em longo prazo e do ponto de vista de muitos pacientes sem outras medidas de tratamento; desiludidos, estes acabam abandonar o tratamento com as “pílulas da felicidade” do momento (como o Prozac nos anos 90, ou o Valium nos anos 60).
Todavia, a questão vai mais além dos tratamentos incorretos e aqueles sem a devida orientação do paciente. Mesmo com o correto manejo farmacológico, obtêm-se por vezes sucessos terapêuticos pífios ou o abandono precoce, melhoras sub-ótimas (não se obtendo a restitutio ad integrum que é possível em geral em muitos quadros ansioso-depressivos).
Não dispomos ainda de avaliações objetivas a priori (p. ex. exames, perfis neuroquímicos e genéticos) para escolher fármacos, doses, potencializações adequadas. Mesmo o melhor empirismo da ars medica pode encontrar dificuldade no acerto do melhor tratamento de um dado paciente. Com freqüência fica a pergunta se o grau de restituição de funcionamento pré-mórbido foi o máximo e se o perfil de efeitos colaterais seria mais favorável com outro (s) fármaco (s) e doses.
Efeitos terapêuticos e adversos podem sentidos como intoleráveis sobretudo na psiquiatria hoje em voga, que tende multiplicar diagnósticos e assim conduz à polifarmácia, comprometendo percepções de interações, melhoras, pioras e recidivas, por parte dos pacientes e dos médicos.
As taxas de resposta a antidepressivo apresentadas nas estatísticas da psiquiatria clínica americana atual (60-70%), por questionáveis que sejam os critérios, contrastam com os bons “80-90%” anedóticos que acredito serem alcançados em tratamentos no espírito do “tripé”.
Isto corresponde a integrar (i) farmacoterapia crítica e dinamicamente conduzida, variando doses e fármacos quando necessário (ii) psicoterapia ainda que breve ou muito restrita e (iii) medidas psicopedagógicas individualizáveis de caráter geral, buscando a promoção da saúde mental, algo como 6 a 10 horas de diálogo com o paciente, ao longo de um tratamento típico de um ano a um ano e meio ou dois anos.

2 – Psicoterapia
Ainda que o paciente não queira ou possa iniciar uma psicoterapia formal - que é frequentemente o caso em quadros ansioso-depressivos - este deve receber uma abordagem psicoterápica mínima. Isto compreende ter seus preconceitos desfeitos ao ser sensibilizado para a importância deste “pilar” terapêutico, que tem menos urgência de ser instituído, mas o que mais assegura uma mudança estrutural. Modificando a maneira do paciente de interagir com o futuro, objetiva-se a melhor estabilidade de bem-estar ao longo da vida, no melhor estilo da medicina preventiva.
Psicoterapia é em geral indicada nos quadros ansioso-depressivos e como sugerem curiosamente alguns estudos, seu resultado dependeria mais do preparo humano do terapeuta e de condições de trabalho do que estritamente da “linha” teórico-clínica seguida (cf. Dubovsky & Dubovsky 2004: 233-249, 253-280). Não obstante, há hoje uma ênfase a meu ver errônea no mero escopo psico-educativo e/ou de mera abolição de sintomas proposto pelas linhas cognitivo-comportamentais. Tal ênfase no aqui-e-agora resultaria em mudanças duráveis?
Técnicas cognitivo-comportamentais, adotadas pelo discurso psiquiátrico de estilo americano, chegam a arrogar-se exclusividade terapêutica, ao proclamarem-se as únicas “validadas” por estudos científicos, com freqüência de curta duração. Psiquiatria malabarista esta, que oscila em poucos anos, de um psicanalismo mal lido em Winnicott sobre a falta de “holding” da mãe à completa mesmerização por estatísticas “ e pelo design de studies e scales no estilo DSM.
Neste contexto, abordagens tradicionais como a psicanálise ou da análise existencial, não são atualmente valorizadas. Não cabem na métrica do publicável hoje nos journals dado seu prazo aberto e sua casuística única e pouco reprodutível em padrões tido como “científicos”. E assim perdemos muito, já que os quadros clínicos ansioso-depressivos superpõem-se ou imbricam-se - em algum grau - com personalidades ansioso-depressivas e estilos pessoais antes chamados neuróticos e com que é propriamente humano e singular em cada paciente.
Na minha percepção da clínica cotidiana, as abordagens psicodinâmicas constituem as modalidades de tratamento mais aptas a obter mudanças mais profundas e permanentes. Não importa a meu ver discutir se psicanálise ou análise existencial constituem ciência validável, na esteira de K. Popper (cf. Saporiti 1994). Sendo a clínica soberana, os tratamentos psicológicos psicodinâmicos mostram seus resultados com ou sem studies e estatísticas nos padrões hoje em voga e acabam por conservar sua importância no tratamento a longo prazo dos quadros ansioso-depressivos.
Isto é reconhecido por biologicistas mais perspicazes, que chegam a propor uma interface clínica entre psicanálise e neurociências, antecipando um inevitável diálogo, de conseqüências a meu ver imprevisíveis (cf. Kandel, 1999, Andrade 2003).

3 – Medidas gerais de promoção da saúde psicofísica
O “pilar”, que chamei de “medidas gerais”, compreende todo tipo de medida não estritamente médica ou psicoterápica, desde que beneficie o paciente e que este deve praticar e pôr em prática; algo que não recebe em pílulas nem através da reflexão em sofás e divãs.
Como já esboçado acima, as medidas gerais abarcam orientações sobre descanso e atividade física adequadas, de benefício ubíquo, bem como avaliação e orientação nutricional (incluindo inventários de dieta atual, uso de alimentos ricos em ácidos graxos essenciais e vitaminas, precursores de neurotransmissores, etc.).
Busca-se avaliação de rotinas estressantes e desestressantes e suas mudanças possíveis. Deve-se pesquisar sobre medicação e automedicação (p. ex., analgésicos, antiinflamatórios, “relaxantes musculares”, laxantes, descongestionantes nasais), uso de drogas psicoativas, lícitas ou ilícitas, incluindo cafeína, álcool, tabaco, fórmulas para emagrecer, soníferos, “suplementos nutricionais”, fitoterápicos. Excessos contemporâneos, de exposição à TV, fones, jogos, filmes ou mundos virtuais podem ser sintomas ou fatores evidentes de piora, ainda que pouco diagnosticados ou valorizados.
O viés médico das medidas gerais se confunde com o pilar do cuidado médico que almeja enxergar holisticamente a pessoa que é o paciente. Isto inclui reconhecer e tratar, como um antigo médico de família, todas as condições de saúde desfavoráveis, de micoses a verminoses, do mp3 alto demais do adolescente à falta de aparelho auditivo no idoso, de hipotireoidismos subclínicos a hipertensões arteriais evidentes.
Temos de também considerar a dor nos joelhos que supostamente impediria a atividade física do sedentário, as cefaléias, infecções e alergias de repetição, por vezes complicadas por medicamentos. Contraceptivos, “energéticos” de academia, agentes redutores do colesterol, anti-hipertensivos e corticóides podem, por exemplo, induzir ou piorar depressões.
Em função destes diagnósticos parciais e simultaneamente totalizantes, cuja elaboração demanda mais tempo que uma consulta padrão na rede pública ou conveniada, prescreve-se o tratamento assentado no mais bem estruturado tripé cabível àquele paciente.
Na explicação do tratamento emprega-se idealmente mais tempo que o “padrão”, tempo que se reverte multiplicado para o paciente, graças à obtenção do efeito “pharmakon” (cf. Serson 2007: 1-6) e à elaboração de freqüentes fantasias e temores que freqüentemente prejudicam a boa adesão ao tratamento com psicofármacos.
Alguns exemplos destas fantasias são a de ficar dopado, com emoções anestesiadas, a de acabar sob controle sutil de outros, a de viver sob alteração química do eu ou aquela da dependência sensu latu, ainda que sofrendo de efeitos colaterais intoleráveis.
Neste complexo contexto, vejo o psiquiatra atual como este anfíbio médico que é como o antigo clínico que conhecia a vida do paciente e sabia medicar bem, farmacólogo, psicólogo e que ainda propõe tratamentos não clínico-cirúrgicos convencionais, leigos aos olhos da medicina, tais como psicanálise, yoga ou Alcoólicos Anônimos.
Em qualquer caso, tal psiquiatra permanece informado e balizado pelos raciocínios clínicos e bases científicas da Clínica Médica e da Psiquiatria Geral, sempre buscando a melhor ética e isenção, dada a peculiar ascendência e influência do psiquiatra sobre, digamos, a alma do paciente.
O conjunto de medidas terapêuticas proposto pode ultrapassar a atuação do psiquiatra individual e não é sem razão que hoje é consensual a idéia que a atenção à saúde mental deve ser dada por uma equipe multidisciplinar. Assim, como parte das medidas gerais, deve-se saber sem soberba encaminhar o paciente a profissionais médicos e leigos. Paralelamente às condutas médicas ou psicoterapêuticas pertinentes, o psiquiatra prescreve, quando útil, abordagens não-médicas que são terapêuticas.
Podem ser grupos de mútua ajuda como os AA, NA, Jogadores Anônimos e assemelhados. Portadores de doenças como depressão bipolar clássica, Alzheimer e Parkinson beneficiam-se de sites sérios de informação e partilha de experiências. Pacientes outros se beneficiam muitíssimo do legado da antiqüíssima sabedoria oriental, sobretudo da acupuntura e da medicina chinesa e das técnicas de harmonização corpo-mente (yoga, tai-chi-chuan, meditação, artes marciais, práticas zen, e tantas outras).
Nos moldes de Oliver Sacks (que muito me inspira em sua clínica), fazer com que alguém volte a tocar o piano ou o violão pode significar uma volta à vida, mesmo depois de um AVC ou uma grave dependência. Uma associação de bairro ou um clube pode fazer reviver um idoso. Cuidar e conviver com animais pode ser surpreendentemente terapêutico (cf. Servan-Schreiber 2004: 187-192).
O médico atual não deve se abster ou envergonhar de “prescrever” tais gêneros de medidas. Cada medida do tripé terapêutico é mais que aditiva ou somatória, pois acaba por potencializar o tratamento convencional para os quadros ansiosos e depressivos e seus correlatos somáticos (quadros de gastrites, dores lombares, contraturas, sintomas vertiginosos e intestinais, cefaléias, certos zumbidos, insônias, faltas de ar, colapsos, etc.).
Busca-se idealmente encontrar junto ao paciente toda uma dieta de vida, não só dieta alimentar como aquela hipocrática, a isomoiria grega dos regimes físicos e mentais, dos hábitos e do que é “adequado a cada idade e às capacidades que lhe são próprias” (Jaeger 2003: 1006).
Isto pode traduzir-se também em mudanças nas relações trabalho/descanso; ganho/consumo; só/casal/amigos/família/outros. Pode ser mudança física para residências menos estressantes e para mais vida fora de eventos e shoppings, mas pode ser, inversamente, a mudança do octogenário demenciado da casa de bairro para o edifício estruturado e equipado, conveniado a um hospital. Para alguns as mudanças incluem mais (ou até menos) vida espiritual, religiosa ou mesmo esotérica, ou ainda buscas filosóficas de sentido (cf. Marinoff 2005: 33-44).
Podemos recordar o bom senso dos médicos antigos a respeito de hobbies tais como a música, culinária, leituras, coleções, a manutenção de objetos e máquinas, o ikebana, os jogos virtuais e não virtuais, o ubíquo cultivar de plantas e jardins (como recomendava Voltaire) ou o convívio com animais. Início ou retomada de atividades de criação como música, pintura, escrita ou teatro ganham o viés terapêutico da sublimação da qual já falava Freud enquanto “sintoma” social e emocionalmente bem canalizado. O que importa em suma, a decisiva pedra de toque, é que seja algo “psicofavorável” e factível.
Pragmaticamente, a prescrição de medidas gerais deve beneficiar o paciente enquanto “mix” individualizado para aquele paciente em seus desejos e potencialidades. Deve-se, por exemplo, atentar à ressocialização após depressões e surtos psicóticos francos, favorecer a sublimação obtida pelos atos de criação artística, ainda que diletante ou amadora. Insistir na yoga aos “paniquentos” que curto-circuitam a respiração. Incentivar as coleções ou hobbies detalhistas nos obsessivo-compulsivos como remodelagem de sintomas (solução de compromisso) mais socializáveis e geradores de auto-estima e conhecimento do que o adoecer atual e o gozo (cf. Lacan) do paciente em seus sintomas atuais.
Vivendo o espírito da época atual que como tendência geral me parece remeter mais ao patogênico que ao libertário, busco contemplar as boas possibilidades da vida contemporânea. Evoluindo para uma influência inédita sobre a vida humana, o mundo midiático e a Internet já isolam e socializam o planeta num ritmo vertiginoso, seja para quem circula em uma periferia cultural, numa insidiosa “suburban life”, em um suposto “top” fetichizado ou nas portas de clubs da moda.
A vida virtual pode divulgar e facilitar o contato humano em torno de interesses específicos (música, encontros, hobbies, interesses técnicos, trabalho comunitário e voluntário, p. ex.); o médico pode usar bem sua retórica ao conseguir que o idoso com baixa mobilidade passe a redescobrir o mundo na rede ou que o jovem deprimido sem perspectiva possa se re-socializar pesquisando e reencontrando gente no YouTube ou Orkut (ou, inversamente, deixar enfim de ter que navegar 12 horas por dia na rede).
Em tese, um enorme conjunto de medidas gerais pode ser proposto, desde que se possa entender o “jeito de ser” do paciente. Minha posição pessoal acaba por privilegiar contrapesos à inflação dos simulacros pós-modernos, tais como tendenciosidades em informações e desinformações, propostas de consumo e “estilo” de um suposto cool, hiperfrívolo e cheio de caretas. Busco pensar contrapontos aos modelos de univocidades narcísicas, desamparos humanos enrustidos, bebedeiras pouco dionisíacas, dopings, shoppings e corpos modelados sem sentido.
A clínica se faz ainda mais desafiadora pelas subjetividades permeadas por securas existenciais amargas, por acelerações inéditas e por valores em crise. Como no filme The Sheltering Sky, de B. Bertolucci (baseado em P. Bowles), chego à imagem desolada da desertificação do real proposta por S. Zizek, (Zizek 2003) e lembro do mundo antevisto na Cultura do Narcisismo (cf. Lasch 1979) e aquele descrito por Z. Bauman (Bauman 1998) em O Mal-Estar da Pós-Modernidade.

Referências
ANDRADE, V. M. Um diálogo entre Psicanálise e Neurociência. A “psicanálise maior” prevista por Freud torna-se realidade no século XXI como metapsicologia científica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003. 207 p.
BAUMAN, Z. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. 272 p.
COSER, O. Depressão – Clínica, Crítica e Ética. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2003. 170 p.
DUBOVSKY S. L. & DUBOVSKY A. Transtornos do Humor. Porto Alegre: Artmed, 2004. 325 p.
JAEGER, W. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 1413 p.
KANDEL, E. R. Biology and the Future of Psychoanalysis: A New Intellectual Framework for Psychiatry. American Journal of Psychiatry, n. 156, p. 505-524, 1999.
LASCH, C. The Culture of Narcisism: American Life in An Age of Diminishing Expectations. N. York & London: W. W. Norton, 1979. 282 p.
MARINOFF, L. Mais Platão, Menos Prozac. A filosofia aplicada ao cotidiano. Rio de Janeiro: Record, 2005. 380 p.
SAPORITI, E. (1994) A Cientificidade da Psicanálise: Peirce e Popper. São Paulo: Escuta, 1994. 142 p.
SERSON, B. (2007) Pharmakon e vínculo: melhorando a farmacoterapia psiquiátrica. Revista do NESME, vol. 4, n. 4, p. 70-78. Versão ulterior disponível em psicomundo.com (foros temáticos).
SERVAN-SCHREIBER D. Curar - o estresse, a ansiedade e a depressão sem medicamento nem psicanálise. São Paulo: Sá Ed., 2004. 298 p.
ZYZEK, S. Bem-vindo ao deserto do Real! São Paulo: Boitempo, 2003. 194 p.

a vida dos antidepressivos

A vida dos antidepressivos




Breno Serson







Resumo: Neste artigo busca-se contrastar o adequado emprego clínico e ético dos antidepressivos com seu uso na atualidade (seu marketing e seu uso como produto pós-moderno). A pluralidade dos discursos sobre os antidepressivos, por exemplo o dos médicos, pesquisadores e pacientes, é assim esboçada, refletindo o impacto destas substâncias sobre as subjetividades contemporâneas.

Unitermos: antidepressivos, marketing, ética, subjetividades



Summary: This paper contrasts ethical and adequate clinical use of antidepressants with their actual use within contemporary marketing-oriented scene, as a post-modern product. The plurality of discourses about antidepressant drugs is then outlined, e. g. practicioneers’, researchers’ or patients’ discourses - reflecting the impact of these substances on contemporary subjectivities.

Key words: antidepressants, marketing, ethics, subjectivities



Resumen: Se busca en este trabajo contrastar el empleo de antidepresivos (su marketing, y empleo como producto post-moderno) con su utilizacíon clínica y ética. La pluralidad de los discursos sobre los antidepresivos es esbozada – por exemplo, de médicos, pesquisadores y pacientes - reflejando el impacto de estas substancias sobre las subjetividades contemporáneas.

Unitermos: antidepresivos, marketing, ética, subjetividades.




No espírito de Orson Wells, “all is true” a respeito dos discursos sobre antidepressivos.

Pílulas do bem estar ou da felicidade; de uso excessivo, leviano ou questionável; impostos pela indústria farmacêutica a médicos e potenciais pacientes a golpes de lobismo e marketing e vendidas como drogas seguras apesar do potencial de riscos, sobretudo em mãos inexperientes.

Os antidepressivos prevalentes dos anos 90 já dão indícios midiáticos de fade out agora em 2008, quando coincidentemente caducam suas patentes (Turner 2008, Turner et alli 2008, Kirscher 2008, Laurance 2008). Novos diagnósticos e transtornos (mais bipolaridades e DDAs) e assim tratamentos (anticonvulsivantes, neurolépticos atípicos) são propostos.

Não obstante, os antidepressivos modernos são medicamentos extremamente úteis em uma vasta gama de quadros ansiosos, depressivos e de somatizações, levando a descronificações e melhoras notáveis.

Isto se observa sobretudo no contexto de tratamentos integrando psicoterapia e outras medidas gerais terapêuticas enquanto mudanças salutares de regimes de vida (como constato em mais de 15 anos de prática clínica em consultório).

Por outro lado, como drogas psicotrópicas em geral, os antidepressivos exibem riscos complexos, particularmente quando usadas em jovens; podem efetivamente ser indutores de suicídio, de viradas maníacas, de efeitos adversos e interações farmacológicas importantes. Com a banalização das prescrições fora de contextos razoáveis de diagnóstico e tratamento, o uso dos antidepressivos chega a ser contraproducente e até perigoso.


Numa visão sociológica sombria, os antidepressivos acabam sendo meios de sedação e/ou remotivação para o “deserto do real” da vida pós-moderna (cf. Bauman 1998, Zizek 2003), meios que chegariam ao limite ético da droga soma (cf. crítica do Brave New World de A. Huxley, em Schermer 2007).

Seriam os antidepressivos quase drogadicção institucionalizada, prescrita e egossintônica com a sociedade de consumo de massas? Na França, campeã de consumo, quase um adulto em dez faz uso de antidepressivos, o resto do mundo exibindo taxas um pouco mais baixas.

Os antidepressivos suscitam assim uma ampla gama de reações na sociedade que vai do “tomo antidepressivo, graças a Deus” (Moraes, 2008), até as comunidades anti-antidepressivos (por exemplo, www.prozacbacklash.com, www.antipsychiatry.org). Assim, e por tudo que será discutido abaixo, “all is true”.

Com estes panos de fundo, este artigo propõe-se a discutir criticamente breves aspectos da questão:

- quando, quanto e como os antidepressivos são usados na prática contemporânea (como mercadoria e fetiche; sociomercadologia).

- quando, quanto e como deveriam ser usados (uso correto como medicamento; clínica e ética).

Em ambos os enfoques, busca-se refletir sobre as conseqüências destes usos nas vidas reais, usos plurivalentes, no contexto das subjetividades contemporâneas.


Histórias dos antidepressivos modernos

Muitas pessoas hoje buscam ativamente o psiquiatra prescritor de fármacos, o novo médico psicofarmacologista, como acolchoador ou blindador farmacológico do sofrimento psíquico, tanto quanto temiam o psiquiatra antigo, perscrutador de inconscientes e/ou alienista juiz da loucura, maestro de internações e dopamentos daqueles infelizes tornados “estranhos no ninho”.

Esta é uma mudança que começa nos anos 1950, quando a medicação psiquiátrica se faz enfim eficiente, ainda em um tempo de discursos psiquiátricos em torno da psicopatologia fenomenológica e psicanalítica.

A partir dos anos 80, configura-se uma reviravolta ainda maior nas práticas, pressupostos e discursos da psiquiatria. A um tempo em que os antidepressivos passam a ser medicamentos muito mais seguros e assim usados em pacientes não internados e naqueles menos graves, nos discursos psiquiátricos ganha hegemonia o estilo biologicista e aquele dos manuais estatístico-diagnósticos (DSMs).

Há desde então uma particular ambição de tornar a psiquiatria um ramo clínico da neurociência e da genética aplicadas, capítulo de uma medicina “baseada em evidências” e capaz de dar feed-back casuístico às abordagens atuais nestas áreas, quantificáveis, reprodutíveis e anti-psicologizantes.

Isto se faz paralelamente ao esvaziamento do vínculo médico-paciente eu-tu (cf. M. Buber), vínculo que visava à compreensão e elaboração de sofreres humanos, mas se faz também paralelamente à inflação de discursos e práticas em torno de inventários de sintomas e de psicoterapias protocolares, em modelos cognitivo-comportamentais.


Acredito que um dos móveis destas transformações deve-se ao advento dos antidepressivos modernos: um marco é o lançamento do Prozac, em 1988.

Mais de 20 outros compostos antidepressivos surgiram desde então, quimicamente muito diversos, mas tendo bastante em comum, em eficácia e resposta clínica global, em imprevisibilidade a priori no balanços entre efeitos terapêuticos e adversos naquela pessoa, no mecanismo de ação (fundamentalmente sobre neurotransmissores) e, sobretudo, nas implicações de seu uso para a vida contemporânea.

Falamos das substâncias psicotrópicas que mais impactaram a sociedade nos anos recentes, “...conheço tantos que tomam”, novos campeões de lucros da indústria farmacêutica em suas florescentes brain divisions. Dos novos produtos que precisamos, como very smart phones, aparatos de segurança ou cirurgias estéticas.

Antidepressivos modernos são produtos farmacêuticos hoje entre os dez-mais-vendidos globais. Seu marketing não enfatiza tratar apenas sintomas (como febre, dor, insônia) ou doenças prevalentes na população (como diabetes, hipertensão arterial ou depressão clássica), mas implicitamente enfoca angústias, tristeza, desmotivações, mal-estar, quedas de produtividade e até falta de “alegria” (cf. análise da publicidade dirigida a médicos, “sertralina X, alegria da forma mais pura“ em Bolguese 2004: 118-123)

Muitas destas “indicações” heterodoxas aos padrões tradicionais da clínica médica situam-se na dificílima fronteira ética entre o medicamento para a doença e o novo produto integrante de um estilo de vida pós-moderno (espécies novas de tônico para produtividade, suplemento para stress, “mother’s litttle helper”, cf. Jagger-Richards 1966).

Sem embargo, o uso dos antidepressivos na vida contemporânea, desde o estilo do marketing envolvido até a sutileza dos efeitos nas subjetividades, vai além da indicação convencional de medicamentos.

P. Kramer (1995), “ouvindo o Prozac”, como intitulou seu livro, identificou a correção farmacológica de pautas histéricas (hipersensibilidades a rejeições), de faltas de assertividade, de excessos de compulsividades, além de aumentos de possibilidades terapêuticas para o trabalho psicoterápico em geral.

O antidepressivo seria em geral favorável ao tratamento psicoterápico? Este controverso ponto toca particularmente os psicanalistas e psicoterapeutas, afetados pelo fármaco de diversos modos, a começar pelas complexas transferências e contra-transferências suscitadas por mudanças nas angústias do viver e do repetir-se dos pacientes.

Seja como for, os efeitos dos antidepressivos modernos ultrapassam em muito a mera redução da ansiedade, via neurotransmissão GABA-érgica, obtida pelas ‘pílulas da felicidade’ dos anos 60, os ansiolíticos como Lexotan e Valium (embora em um curioso estudo, que não reencontrei a citação, populações de periferias violentas preferiam os ansiolíticos acima mencionados ao Prozac, este massivamente preferido nos bairros ricos).

Considerando-se a história da medicina, os clínicos observam hoje padrões de efeitos enérgicos e inéditos dos antidepressivos sobre graves fobias, pânicos, ansiedades tônicas e somatizadas, incapacitações obsessivo-compulsivas, quadros dolorosos crônicos, “fibromialgias”, somatizações e TPMs, além das depressões propriamente ditas.

Dadas estas múltiplas indicações e em nome da clareza sobre o modo de ação, têm sido proposta a substituição do nome “antidepressivo” por agente com ação sobre a neurotransmissão, p. ex. serotoninérgica (ISRS), ou serotonino-noradrenérgica (IRSN), agente com ação farmacológica sobre síndromes psiquiátricas “do espectro ansioso-depressivo”, bem como sobre sintomas dolorosos e sintomas integrantes de quadros psicossomáticos (vertigens, faltas de ar, dispepsias, diarréias) e outros.

A plasticidade dos efeitos subjetivos e objetiváveis dos antidepressivos, como relatada pelos pacientes, é surpreendente. Devem ser consideradas as cessações de crises de pânico, os aumentos de tolerância em situações fóbicas, as reduções de irritabilidades, a melhora de pontuações em escalas de depressão e ansiedade, mas também sutis aplainamentos e indiferenças afetivas, a mudança íntima e inequívoca para um estar-no-mundo menos ameaçador. Afinal, como um fármaco que visivelmente não “droga” e que não é abusado como droga traficada, faz ver a vida de outro modo?


Alguns pacientes mais cool e culturalmente contemporâneos encontram nos antidepressivos a droga sintônica com seus estados de alma, algo como láudano ou absinto para os românticos ou cannabis e LSD para os hippies. Uma base farmacológica cool e talvez mais dissimulada, quando comparada à dos antigos, para estar neste mundo. Até porque os antidepressivos comportam em muitos casos o uso concomitante com outras drogas psicotrópicas, proscritas, prescritas ou não.

O padrão atual de uso dos antidepressivos atinge fronteiras inusitadas como o uso normalizador pós-moderno para acolchoar afetos e paixões humanas vividas como intoleráveis (lutos, separações, renúncias) ou simplesmente desagradáveis para o sujeito contemporâneo, falando-se até em uso “cosmético” (cf. o debate filosófico nada trivial sobre o tema, p. ex., em Cerullo 2006, Healy 2000 e Kramer 2000).

Com efeito, um antidepressivo pode compensar parcialmente os abusos de drogas hedonistas (álcool, cocaína) ou estresses cotidianos e lifestyles pouco saudáveis (sedentarismo, horas de tráfego e filas, junkie-food, shoppings pervasivos, vida virtual, espelhamentos fornecidos por estilos da publicidade, contatos humanos “eu-isto” e meramente utilitários, narcisismos na linha Caras e BBB, imbecilização de tablóides e TV dominical, alienação espiritual, científica, comunitária ou religiosa, o trabalho excessivo, o vago e líquido descaso e\ou vácuo existencial versão séc. XXI.

Com ou sem intenção, o uso dos antidepressivos pode alternativamente dopar, aplainar ou tornar indiferentes as angústias contemporâneas, rapidamente lipoaspirar as gorduras do peso existencial ou mesmo turbinar uma produtividade ou positividade sem arrefecimentos.

Chega-se a propor hipernormalizar as imperfeições desmotivantes ou angustiosas das superfícies e peles psíquicas do indivíduo tido como normal, tornando-o assim cosmeticamente mais bem apessoado psiquicamente e portanto feliz (ou seria mais saudável? Empático? Mais apto e adaptado?; cf. Gentil 2007).

Isto talvez equivalha, em um homem ou mulher, ambos tidos como normais para a idade, a indicar o uso de “suplementos” tais como hormônio de crescimento (GH), hormônio masculino (andrógenos) ou hormônio tireoidiano (“TRIAC”) a fim de obter um ótimo emagrecimento e/ou um desempenho atlético e sexual premium, embalando-se uma sensação de bem estar superior (cf. o teste destes dopamentos “esportivos” em Stevens 2005).

Não por acaso, não está na moda sonhar em mudar o mundo (..que saco...), matarmo-nos como jovens werthers ou guerrilheiros guevaras ateus, drogarmo-nos como baudelaires cristão-culpados. Salvos dois ou três bares mitômanos e decaídos, não discursarmos com paixões políticas e poéticas entre cafés e cigarros existencialistas; exceto aos tolos consumindo o mais ofertado às massas, os enganados, faltam as vivências de tais paixões.

Entender o inferno e mal-estar da nossa cultura do narcisismo (cf. C. Lasch), implicarmo-nos como sujeitos em nossas escolhas e limitações - como proposto pela psicanálise ou pelas terapias existenciais - soa hoje, para a maioria jovem das raves globais e àqueles limitados de qualquer idade, como a valsa e o cursinho de noivado da virgem, em vestido branco.


Discursos e controvérsias da psiquiatria hegemônica

Que a medicina, incluindo sua especialidade de saúde mental, a psiquiatria, deva ser baseada em evidências, é quase auto-evidente. Basear-se em evidências científicas, estatísticas e dados transculturais globalmente validados é o mínimo de universalismo e validação necessária à psiquiatria dos anos 2000.

Não obstante, há muito a ser criticado nos discursos prevalentes. Posições “esquerdóides” contrárias à psiquiatria anglo-americana nos modelos DSM, exagerando críticas pertinentes, desconsideram o avanço aportado à pesquisa e à clínica por tais modelos, graças a um esforço que resultou em maior uniformidade conceitual e efetividade pragmática até mesmo na prática clínica diária (cf. Katunda & Doutel 2001).

Buscando ir além dos maniqueísmos, como é sempre razoável na crítica das idéias, há que se chegar a uma síntese dialética, usando o que tem de melhor a medicina moderna e a psiquiatria DSM – p. ex. escalas de sintomas, critérios operacionais, validações estatísticas, consensos de tratamento - paralela e simultaneamente a tudo que o antigo viés psicológico e humanista da psiquiatria pode ainda hoje proporcionar em benefício do paciente.

Superando assim “escolas” dogmáticas e uma multiplicidade de velhos estilos personalistas de diagnosticar e tratar, os consensos e guidelines são assim bem-vindos, à medida que idealmente inibem miopias de indivíduos, modas ou pressões que não sejam em benefício do paciente. Falamos em interesses pessoais, comerciais, lobísticos ou de grupos acadêmicos, em suma, de poder em geral.

Assim, consenso não significa que a clínica deva se tornar um técnica de processamento de dados, forçando as condutas da vida real a mimetizar fluxogramas compulsórios e estandardizados de poucos casos possíveis.

Tal técnica configuraria o acme orgástico dos burocratas da saúde dos managed cares do varejo, que o clínico deve rigorosamente enquadrar e colocar no seu limitado lugar ao tratar o seu paciente, a pessoa singular sofrendo.

Como efeito colateral bem-vindo, guidelines oficiais com a devida abertura para avanços diagnósticos e terapêuticos combatem a soberba do biopoder médico, pessoal, empresarial ou corporativo, à medida que os consensos se tornam agora públicos e acessíveis. Vide por exemplo o Google para checar o seu diagnóstico e tratamento atual; todavia a democratização da informação embute inevitavelmente uma multiplicação de discursos de todas as tendências, uma hiperinflação onde parece não haver centro e it´s all true.

Além das espirais da internet, diante dos discursos oficiais, it´s all true, devemos guardar o olhar histórico e crítico; o quanto o estilo DSM-IV-R e o viés das pesquisas que estabeleceram consensos não validam como “o melhor da ciência” o que seriam apenas posturas de uma psiquiatria datada e moldada por miopias, interesses, modismos e dogmatismos que, como sempre, logo caducarão.

Ler sobre o que hoje se diz “definitivo”, como p. ex. terapia cognitivo-comportamental, não será tão risível como ler sobre etiopatogenia, diagnósticos e tratamentos de 30 ou 50 anos atrás, algo como ler sobre psicastenia, sonoterapia, barbitúricos?

Guidelines e metanálises via MEDLINE têm assim seu papel, mas não são, todavia, oráculos infalíveis em cada caso individual. A clínica psiquiátrica de resultados (ou seja, de evidência de melhoras e de melhoras evidentes), será sempre antiga, ars medica, experiência dialógica, envolvimento humano, vínculo de cura proposto através do singular afeto beneficente que une o médico a seu paciente (cf. O conceito de pharmakon em Serson 2008a).

Além de informada e formatada pela melhor ciência médica, a psiquiatria deveria conservar a meu ver, mais que outras especialidades médicas, o viés de ars medica, a busca da compreensão do que é nature & nurture, da cultura e da civilização, além de qualquer biologia cerebral possível, do tudo que é prá-lá de complexo ao nos tornarmos propriamente humanos, existencial, psicológica e pathós-logicamente.

Voltando à mercadologia dos antidepressivos: os discursos prevalentes da indústria farmacêutica e da psiquiatria acadêmica, no molde norte-americano, pouco contradizem e talvez mesmo francamente estimulam as contínuas propostas de ampliação comercial do uso de antidepressivos (e também de anticonvulsivantes, neurolépticos e psicoestimulantes).

Não nos iludamos; há pouca preocupação com o real bem estar do paciente atrás do biombo das indicações “técnicas” ou “científicas” invocadas em publicidades institucionais, “nosso foco é o seu bem-estar”, justificadas por aparências hipócritas e manipuláveis de pontuações em escalas de sintomas, por pesquisas com mega-vieses de interesses, ainda que fundadas em designs e estatísticas formalmente inatacáveis e em acríticos e em onipresentes diagnósticos DSM.

Isto torna-se evidente nos medicamentos aprovados ou não segundo o Federal Drug Administration (FDA), com bases por vezes exclusivas em estudos patrocinados por seus fabricantes. Assim, contrariando a realidade da clínica, de uma classe de fármacos equivalentes na prática clínica só este ou aquele são aprovados para tal e tal indicação, em tais doses (p. ex., por que não se aprova o sulpiride, excelente e consagrada droga, para ao menos uma indicação?).

Medicamentos fitoterápicos e mesmo hormônios tornam-se “suplementos alimentares” de venda livre, apesar do seu uso comportar riscos clínicos. Medicamentos bem testados e utilizados (por exemplo o hipérico ou a valeriana na Europa) não ganham aprovação do FDA como medicamentos, ficando à margem do discurso psiquiátrico oficial.

Com a expiração das patentes e o conseqüente fim das altas lucratividades dos antidepressivos dos anos 80-90, o big pharma e seus elos acadêmicos, lobísticos, e de pesquisa/ publicações/citações, já fomenta a necessidade de tratar novas condições psiquiátricas recentemente “identificadas”, ou ampliadas (‘elarged’), tais como ”transtornos bipolares” (prescrever anticonvulsivantes estabilizadores de humor), “DDA em adultos” (prescrever psicoestimulantes).

Isto equivale, na clínica geral às hiperlipemias, osteopenias ou intolerâncias à glicose antes não valorizadas, supostos déficits eréteis que precisariam do seu neo-viagra ou quedas hormonais antes fisiológicas que precisariam ser corrigidas (propagandeia-se atualmente uma “menopausa” masculina, bem agora que se dispõe de testosterona que não precisa ser injetada).

Três hurras para nova era do disease mongering, da criação interdisciplinar, global e multicêntrica de novas condições clínicas feitas sob medida para novos e antigos medicamentos que possam gerar lucro ou reduções de custos em “gerenciamento” de saúde (cf. PloS Medicine 2006).




Uso correto – ético, como medicamento – dos antidepressivos.


Quando usados no tratamento de quadros do espectro ansioso-depressivo descrito acima, os antidepressivos - associados ou não a outros fármacos psicotrópicos - devem ser prescritos por psiquiatras ou generalistas com experiência, no contexto de tratamento integrando orientações psicopedagógicas (as medidas gerais, cf. acima) e sempre que possível, psicoterapia (como consensualmente aceito).

Tal prescrição ideal abarca um seguimento contínuo, de semanal a bimestral, por períodos de vários meses a um ou dois anos, dependendo da apresentação ansioso-depressiva de cada caso e suas variáveis.

Todavia, a maioria das receitas de antidepressivos (talvez 80%), como aconteceu com os calmantes “tarja preta” desde os anos 60, não se insere no contexto acima, mas é uma amostra grátis dada pela ginecologista por achar a paciente estressada, ou uma prescrição sem anamnese psiquiátrica ou seguimento, do último lançamento do mercado, casualmente lido em uma propaganda na revista de cardiologia. Em doses erradas, sem monitoramento, sem orientação médica devida.

É curioso, mas pouquíssimos psiquiatras prescreveriam anticoncepcionais ou anti-hipertensivos, mesmo conhecendo a farmacologia e formas comerciais de hormônios femininos ou a dos anti-hipertensivos (p. ex., prescrever Yasmin ou Lasix 40 mg, um comprimido pela manhã). Simples bom senso médico: seria necessária experiência no manejo destas situações clínicas, bem como o exame ginecológico daquela mulher ou investigação da etiopatogenia daquele homem com pressão arterial 18 por 12.

Não obstante, o médico generalista pode prescrever antidepressivos, dada a importância da relação médico-paciente na melhor evolução dos quadros ansioso-depressivos e à boa margem de segurança dos fármacos atuais.

Assim, é melhor o médico de família que conhece bem o paciente conduzir um tratamento com antidepressivos, em casos menos graves, do que o psiquiatra apressado e desinteressado do “convênio” e/ou aquele que só faz diagnósticos baseado em lista de sintomas e só prescreve seguindo o fluxograma do “guideline” traduzido do Inglês.

Já o psiquiatra ideal utiliza antidepressivos em um tratamento integrado - psicoterapêutico e psicopedagógico – e obtém melhoras vigorosas inclusive em pacientes psicossomáticos encaminhados por outros especialistas, por exemplo, em situações de dores e queixas gastrointestinais, infecções de repetição, sintomas vertiginosos e quedas de memória, fraquezas, em faltas de ar asmáticas e não asmáticas.

O psiquiatra pode ser assim o melhor médico para aquele paciente que já percorreu vários colegas e que já recebeu diagnósticos e tratamentos questionáveis, tais como “fibromialgia”, “labirintite”, envelhecimento inevitável ou “estresse”.

Inversamente, indicações não psiquiátricas do uso de antidepressivos - como certas enxaquecas em neurologia, dor lombar ou cervical crônica em fisiatria, ejaculação precoce em urologia, quadros do tipo “TPM” em ginecologia – podem prescindir do psiquiatra, embora em alguns destes casos o componente ansioso e/ou depressivo deva merecer uma abordagem específica.

Antidepressivos devem ser prescritos após cuidadosa avaliação diagnóstica multifatorial (diagnóstico psiquiátrico, clínico-geral, de personalidade, de uso de substâncias, de risco suicida, etc.).

Como não se sabe a priori que paciente responde a que tratamento, além das diretrizes pertinentes de escolha, devem ser considerados efeitos terapêuticos e colaterais em tratamentos anteriores do paciente e familiares, co-morbidades, sintomas proeminentes (p. ex. insônia, queixas dolorosas), perfil global (p. ex. sobrepeso, cardiopatia, tendência a obstipação intestinal, repertório cultural do paciente, ignorante ou culto, uso adictivo de medicação, outros medicamentos ou substâncias em uso, etc.)

Nas indicações psiquiátricas, o tratamento com antidepressivos compreende 3 fases, introdução, manutenção e retirada. Escolhido um fármaco, este deve ser iniciado em doses em geral abaixo da dose diária média, lentamente elevadas ao patamar necessário ao melhor balanço efeito terapêutico vs. risco ou efeitos colaterais. Pode ser necessário substituí-lo ou complementá-lo por outros fármacos com critério e monitoramento constante (fase de introdução).

Nesta fase de introdução de antidepressivos, dada a latência de resposta inicial dos fármacos (1-3 semanas) e da resposta plena (pode ser de meses), agentes sintomáticos, tais como calmantes “tarja preta”, soníferos ou outros podem ser necessários. Idealmente os sintomáticos devem mantidos pelo mínimo tempo possível.

Assim os antidepressivos convencionais como Prozac, Wellbutrin, Zoloft, Remeron ou Aropax, podem efetivamente ajudar pessoas, integrando medidas psicoterápicas e outras, e em doses cautelosamente elevadas ou diminuídas por meses ou anos. Devem ser também considerados estressores psicossociais e timings de cada caso; tudo isto requer monitoramento contínuo uma relação médico-paciente cuidadosamente elaborada.

Fora destes contextos, os antidepressivos podem ser prejudiciais ou pouco efetivos. Veja a publicidade médica “fluoxetina X, prescreva O bem estar ao seu paciente, dose única 20 mg desde o início”. Quem não gostaria dO bem estar, em apenas uma única receita de rápido preenchimento?



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psicanálise e sintomas depressivos